Senhores Atenienses, Ouçam!

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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

CRISE DE LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE PASTORAL

A filosofia das luzes preconizou a ideia de que só há legitimidade na autoridade da razão considerada apta para legislar para si, sem a tutela de qualquer heteronomia. Para Max Weber, a legitimidade do poder legal funda-se na crença da legalidade das normas de um regime, estabelecida propositalmente e de modo racional. De forma diferente, a autoridade tradicional busca fundamentar sua legitimidade no respeito às instituições consagradas pela tradição e à pessoa que detém o poder, cujo direito de comando é conferido pela tradição.
O século 18 legou à sua posteridade o preconceito, no sentido negativo, em relação à tradição, compreendendo que esta sempre esteve atrelada ao complexo da religião. Como os postulados desta última foram enfraquecidos pelo uso instrumental da razão iluminista (quando esta critica o caráter indemonstrável de realidades prescritas nas crenças teológicas), a autoridade da tradição religiosa foi vilipendiada pela afirmação preconizada no aforismo kantiano: “O Iluminismo é a saída do homem de sua minoridade”.
A autonomização do eu, reivindicada na sugestiva filosofia da existência do niilismo nietzschiano, reforçou a tese iluminista da decadência da religião no Ocidente pós-cristão. E com seu declínio, houve desdobramentos axiológicos que acabaram sendo exportados para o âmbito social das interações intraeclesiásticas.
A pluralização do fenômeno religioso, uma consequência do processo da secularização, também contribuiu para o inflacionamento da crise de legitimidade da autoridade religiosa. Considerando que por trás desta crise de natureza política da autoridade traditivo-religiosa existe uma pergunta com intenção de desconstruir a plausibilidade da autoridade dos dogmas cristãos, a consequência desta crise acabou afetando a dimensão subjetiva da psicologia humana no contexto da sociedade moderna. A relativização da verdade teológica, na era da ciência moderna, descapitalizou a submissão cognitiva irrestrita mesmo das pessoas que transitam no reino da religião que se insere no contexto da modernidade, produzindo a atitude irreverente destas frente a quaisquer representantes oficiais da religião que fala em nome da fé.
Quando se pergunta sobre a crise de legitimidade autoridade pastoral no mundo contemporâneo, deve-se ter em mente o contexto histórico-cultural em que esta se encontra envolta. No caso dos pastores evangélicos brasileiros, há ainda outros agravantes.
O mau uso do princípio hermenêutico do “livre exame” acabou fomentando a construção de um “ethos” pastoral em que se prescinde da necessidade de uma boa formação cognitivo-moral por parte dos pastores, como se quisesse comunicar com isso que o compromisso da fé com a verdade e a justiça não é uma “conditio sine qua non” para o legítimo exercício da atividade poimênica.
Como na modernidade “radical” se percebe o desenvolvimento do fenômeno sociocultural da destradicionalização (que se traduz em perda de plausibilidade da tradição em sentido amplo), a autoridade religiosa como um todo, e a pastoral em específico, também sofre o efeito colateral deste fenômeno macrocultural no Ocidente.

O caráter pragmático que parece ter incorporado a espiritualidade evangélica brasileira acaba sugerindo uma forma de reflexividade presente em seu arcabouço moral. Os riscos presentes na sociedade do medo, prenhe de infindáveis ameaças sociais (dentre elas a desempregabilidade estrutural que pode ser desencadeada com a crise do capitalismo global), produzem um senso de vulnerabilidade cada vez maior, mesmo na psicologia das pessoas religiosas.
Neste sentido, o caráter funcional da espiritualidade das religiões de prosperidade acaba acentuando o descompromisso cognitivo com a verdade como forma de ser e pensar o mundo a partir da fé. O senso pragmático que se insinua aí torna o compromisso da fé com a verdade cada vez menos relevante: a verdade de quem é moralmente o pastor; a verdade dos valores que este preserva na forma de viver eticamente seu ministério; a verdade de suas pretensões vocacionais no exercício de sua atividade poimênica. O carisma se torna critério suficiente de legitimação do exercício poimênico que se exerce neste contexto religioso.
A consequência que surge deste cenário desencantador não pode ser outra senão o descrédito endêmico dado ao pastor, seja ele sério e comprometido com valores éticos da fé, seja ele um picareta que se esconde por trás da demagogia de um discurso persuasivo e arrebatador, representando um tipo de espiritualidade funcional no mercado da fé. No escopo desta crise de legitimidade da autoridade pastoral, “o destino de um, infelizmente, acaba sendo compartilhado por todos”. (grifo pertinente)