Senhores Atenienses, Ouçam!

Senhores Atenienses, Ouçam!
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domingo, 29 de julho de 2012


Muito se fala hoje em dia do direito de cada pessoa em ser feliz. Sendo esta felicidade entendida, na maioria das vezes, na capacidade de se viver a vida sem   problemas e com o maior desfrute possível de prazer. Essa é a grande ilusão que nos é vendida em todos os anúncios comerciais e mídias da sociedade do consumo: uma felicidade ou prazer para se consumir!
             Isso nos remete à idéia da possibilidade de um prazer que existe por si só, sem a necessidade de outra pessoa – e isso é falso! Bateson, um antropólogo do século XX dizia que “o sujeito NÃO existe, somente a relação”. Na verdade o outro é quem me constitui. Nas palavras de outro filósofo contemporâneo, Martin Buber: ‘eu só me constituo diante de um outro significativo’. Em outras palavras, eu sou aquilo que me é outorgado em uma relação com o outro. Só me torno marido quando minha esposa me constitui este papel.
             Em Gênesis 2:18 Deus revela uma inquietude: a preocupação com a solidão existencial do homem e cria a mulher, nos formando, a partir de então seres essencialmente relacionais. A mulher, que Deus faz e apresenta como companheira é  reconhecida pelo homem como osso de seus ossos e carne de sua carne e recebe o seu próprio nome, não um nome qualquer – como no caso dos animais, sobre os quais exerce domínio. Diferenciação e complementaridade são essenciais na dinâmica homem/ mulher, ou seja, só há complementaridade quando a diferenciação está    presente. O relacional pressupõe a diferença – o HETEROS
            Só há crescimento pessoal no encontro com o diferente: que me desafia a uma nova percepção da realidade – por isso é difícil! A verdadeira felicidade é da ordem do trinitário: eu, o outro e a relação! A sociedade cada vez mais tecnologizada nos empurra para o binário: eu e a máquina e quer nos forçar à idéia de sermos felizes com isso. A criação de um blog que fala sobre o relacional é uma tentativa paradoxal de tentar explicar o trinitário através de um meio binário em um mundo cada vez mais binário!

sábado, 14 de julho de 2012

Quando olho para os teus céus…

 

 

Por Folton Nogueira

 

Mais de quatrocentos anos antes de nosso Senhor adquirir nossa natureza, dois gregos, Leucipo e Demócrito, imaginavam o que aconteceria a um objeto sucessivamente dividido pela metade. Concluíram que se chegaria a um ponto em que não se poderia dividi-lo mais. A esse ponto, ou partícula, deram o nome de: “o que não pode ser dividido”. Em grego: “átomo”.

Com poucas variações essa ideia foi a que permaneceu até 1911, quando o neozelandês Ernest Rutherford demonstrou em laboratório, que aquilo a que se chamava de átomo era composto por elementos de cargas elétricas diferentes. Portanto, o indivisível podia ser dividido.

Dois anos depois, em 1913, o dinamarquês, Niels Bohr, propôs o que até hoje é imaginado como sendo a estrutura formal do átomo: Um núcleo ao redor do qual orbitam elétrons. Com o passar do tempo concluiu-se que o núcleo é composto de prótons (eletricamente positivos), nêutrons (eletricamente neutros) e elétrons (eletricamente negativos). Mas, descobriu-se também que a divisão de um átomo produz uma enorme quantidade de energia. Começava a era nuclear.

Começava também o estudo das partículas que compõem o átomo. Hoje já se conhece dezenas delas, dentre as quais os Férmions, os Hádrons e os Bósons (batizados assim em homenagem ao físico indiano Satyendra Nath Bose, cooperador de Albert Einstein) e se teoriza a existência de muitas outras.

A busca pelo descobrimento da essência do que, de tão pequeno não se pode ver, levou a muitas teorias e experiências. Diversas estão sendo feitas ao mesmo tempo. As notícias mais recentes vem de uma organização fundada em 1954: A Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, mais conhecida como CERN.

A imprensa está fascinada pelas experiências do LHC (Large Hadron Collider), ou Grande Colisor de Hadrons (ou Máquina do Fim do Mundo, como ficou conhecida quando foi ligada em setembro de 2008). No fundo o LHC é apenas um acelerador de partículas, como tantos outros, só que é gigantesco: Foi montado em um túnel de 27km de diâmetro, a 100m de profundidade, sob a fronteira franco-suíça (a um custo de 8 bilhões de dólares). Apesar de sua localização, conta com a colaboração de 35 países, 120 instituições e mais de 1300 pesquisadores do mundo todo.

Tenho até medo de escrever isso, mas parece que o único objetivo dessa máquina fantástica é fazer com que uma partícula se choque contra outra em uma velocidade muito próxima da velocidade da luz, para que se registre o que resulta dessa pancada.

Em um informativo público do CERN há um gráfico com a seguinte explicação (está em http://public.web.cern.ch/public/Welcome.html - Acessado em 10/7/2012 às 17:48h): “Colisão próton-próton em uma experiência do ‘Compact Moun Solenoid’ produziu quatro muons de alta energia. Este evento mostra características consistentes com a deterioração de um Boson de Higgs, mas também consistente com os modelos padrões da física” (tradução minha).

Pois bem: Há 2400 anos da interação aluno-professor, com recursos que dificilmente passariam da conversa e anotações em pergaminho, concluiu-se que todas as coisas eram formadas por partículas indivisíveis. Há 100 anos houve necessidade de um laboratório, material radiativo e lâmina de ouro para se descobrir apenas o início de um caminho que, no dia 4 de julho passado aventa a possibilidade de se ter descoberto uma das muitas partículas propostas pelos modelos matemáticos necessários para explicar os diversos comportamentos observados de um átomo.

“A glória de Deus é encobrir as coisas,mas a glória dos reis é esquadrinhá-las”
(Provérbios 25.2).

Em um reles grão de areia há um verdadeiro universo e ainda há quem creia que isso tudo é obra do acaso! Quando Leucipo e Demócrito discutiam a natureza do átomo imaginaram também que nem todos eles poderiam ser iguais. Pensaram que os da água seriam redondos, para que ela fluísse, e os dos sólidos seriam cúbicos, para que fossem rígidos. Hoje o problema é com os componentes do átomo. Por exemplo, os que, como a luz, que se comporta tanto como onda quanto como matéria (Einstein ganhou seu Nobel ao mostrar isso).

Ainda me lembro das experiências do colégio em que acendíamos uma lanterna contra uma tira de papel alumínio, e a tira de papel se mexia como se a luz a impelisse, a exemplo do que o acontece com a vela de um barco soprada pelo vento. Como é que a luz consegue empurra-la sem possuir matéria? Ninguém sabe, mas esse efeito (chamado fotoelétrico) controla desde as portas dos elevadores, até máquinas mais perigosas. Isso é parte do mistério que o físico britânico Peter Higgs se propôs resolver matematicamente em 1964.

Será que finalmente, depois de tanto esforço e tanto custo, conseguiram? Ainda manterão a crença de que estas maravilhas foram resultado casual de uma explosão?

Esses homens abençoados por Deus com inteligência extraordinária, estão fazendo aquilo para o que foram criados: descobrir as grandezas de Criador. Que situação embaraçosa será para os que negam sua existência, quando se encontrarem com ele e perceberem que se tornaram mais indesculpáveis ainda, pois conhecem muito mais as maravilhas de sua criação?

Quanto a mim, parodiando o salmista, digo: Quando olho os teus grãos de areia...

segunda-feira, 9 de julho de 2012

TEOLOGIA DO PACTO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES



 
INTRODUÇÃO

 No nosso estudo, teologia bíblica e sistemática do pacto podem ser definidas como o estudo da revelação de Deus registrada nas Escrituras do Antigo e Novo Testamento em palavras e atos, cujo modo essencial do relacionamento de Deus com sua criação é o pacto, monergístico e unilateral na sua iniciativa, porém bilateral em sua realização no sitz in leben com participação de outra parte, a saber, o homem.
            NATUREZA DA REVELAÇÃO
            A revelação de Deus possui características próprias, quais são: (1) Histórica: Deus revelou sua vontade, em palavras e atos, no decurso da história humana, inserida no ambiente e contexto específico em que viveram os receptores dessa revelação. (2) Progressiva: A revelação não foi comunicada em todos os aspectos de uma só vez, mas foi progressivamente manifestada. A cada nova revelação algum aspecto, formal e externo, era acrescentado e outros confirmados. Contudo, isso não significa uma alteração na mensagem, pois a natureza e o sentido básico dessa revelação permaneceram os mesmos apesar das mudanças externas e formais. (3) Orgânica: Esse aspecto elucida o anterior. Significa que a mensagem foi dada inteira na sua forma embrionária. Todos os elementos estavam presentes como uma semente que mais tarde se transforma numa robusta árvore. (4) Adaptável: A revelação não era algo desassociado da vida das pessoas, mas funcionava como a mola mestra e o princípio motivador que guiava e nutria o sentido da existência dos recipientes, e que, corretamente interpretada, continua sendo adaptável aos nossos dias.
           O entendimento dessas características e a compreensão do registro bíblico como INSPIRADO, INERRANTE e INFALÍVEL é fundamental para uma correta abordagem do estudo dessa lição. Abaixo um gráfico que pode ajudar: 

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O SIGNIFICADO DA PALAVRA PACTO[1]
        A palavra que a Escritura usa para o pacto[2] é derivada da palavra בּרית (berith) do Antigo Testamento. Alguns pensam que a palavra é derivada de um termo que significa “cortar”. De acordo com essa interpretação, berith está conectado com o costume de cortar os animais do sacrifício pelo meio e colocar as metades umas defronte das outras quando um pacto era concluído para que as partes pactuais pudessem passar entre os pedaços daqueles animais sacrificiais como um sinal e juramento da fidelidade delas. Quando o Senhor concluiu seu pacto com Abraão, de acordo com Gênesis 15:9-17, ele se adaptou a esse costume. Contudo, de acordo com essa passagem em Gênesis, somente o Senhor passou pelos pedaços dos animais sacrificiais, Abraão não o fez. Isso pode apenas significar que o Senhor não concluiu ou contratou um pacto com Abraão, mas simplesmente o estabeleceu. Esse é o ensino real da Escritura. Deus estabelece seu pacto. O pacto é seu. Nunca o homem se torna uma parte com Deus na conclusão de um pacto. Essa é a natureza do pacto. Como pode a criatura ser uma parte ao lado do seu criador? Como pode o homem, que não possui absolutamente nada de si mesmo, que deve receber tudo de Deus, alguma vez aparecer como uma parte contratante em relação ao Altíssimo?
   Por exemplo, exatamente o que se quer dizer quando se fala em acordo? Isto implica em que as alianças bíblicas sejam "bilaterais"? Não se pode negar que a idéia de pacto traga consigo, no seu sentido mais natural, a bilateralidade, ou seja, duas partes são envolvidas em um pacto. Vários pactos acontecem entre duas pessoas, nações ou grupos na narrativa bíblica (ver Js 9.15; 1 Sm 20.16; 2 Sm 3.12-21; 5.1-3; 1 Rs 5.12); em certos casos um pacto é feito para resolver uma disputa entre partes (Gn 21.22-32; 26.26-33; 31.43-54).
   Centenas de vezes o substantivo aparece no contexto de um pacto entre Deus e seres humanos. Como, nesse contexto, entender a bilateralidade? Um pacto implica sempre em igualdade entre as partes? Certamente que não. A bilateralidade[3], no contexto do pacto entre Deus e homens, implica tão somente em que duas partes estão envolvidas, mas não que exista a igualdade entre essas partes. Teólogos têm chamado esse tipo de aliança "unilateral" de "monergista," ou seja, iniciada e garantida por Deus nos seus termos. Portanto, estamos falando de uma aliança que não envolve um acordo de duas partes, na qual não existe negociação de direitos e obrigações. Nesse sentido a aliança divino-humana é unilateral. É um compromisso feito pela iniciativa de Deus com relação à sua criação. O ser humano é um receptor da aliança divina. Isso se torna evidente no texto de Gênesis 17.2, que é traduzido para o português como — "Farei uma aliança entre mim e ti" — onde o verbo traduzido como "fazer" tem por raiz no hebraico o verbo "dar" (nathan), que nos daria, se traduzido literalmente, uma sentença sem sentido. No entanto, a força do argumento está no fato de que a raiz do verbo traduzido por "fazer" em português envolve algo que é dado: um pacto. O texto não reflete um acordo de duas partes iguais, com os mesmos direitos.
            De acordo com outros, o termo para pacto no Antigo Testamento significa um laço (vínculo) e deve ser derivado de uma palavra que significa “obrigação”. O fato é que o termo para pacto, que parece aproximadamente trezentas vezes no Antigo Testamento, tem mais de uma vez o significado de um testamento, e no grego é traduzido pelo termo διαθήκη, uma palavra que tem exatamente esse significado. 

            A TEOLOGIA PACTUAL NA CONFISSÃO WESTMINSTER

    DO PACTO DE DEUS COM O HOMEM - capítulo VII

I. Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas racionais lhe devam obediência como seu Criador, nunca poderiam fruir nada dele, como bem-aventurança e recompensa, senão por alguma voluntária condescendência da parte de Deus, a qual agradou-lhe expressar por meio de um pacto.
II. O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e, nele, à sua posteridade, sob a condição de perfeita e pessoal obediência.
III. Tendo-se o homem tornado, pela sua queda, incapaz de ter vida por meio deste pacto, o Senhor dignou-se a fazer um segundo pacto, geralmente chamado o pacto da graça. Neste pacto da graça ele livremente oferece aos pecadores a vida e a salvação através de Jesus Cristo, exigindo deles a fé, para que sejam salvos, e prometendo o seu Santo Espírito a todos os que estão ordenados para a vida, a fim de dispô-los e habilitá-los a crer.
            Pacto das Obras[4] O texto fala de dois pactos feitos com o ser humano. O primeiro foi feito com Adão antes da queda e é chamado de pacto de obras. No segundo, feito depois da queda, a salvação e a vida são oferecidas a "todos os que estão ordenados para a vida." Este é chamado de pacto da graça. Esses dois pactos estão "centralizados em torno do primeiro Adão e do segundo Adão, que é Cristo."[5] A teologia esposada na CFW é conhecida como teologia pactual, um sistema teológico em que o conceito de pacto serve como estrutura básica.
    Pacto da Criação[6] Robertson, Van Groningen e Dumbrell. O interesse especial na obra desses três teólogos contemporâneos está na exposição que fazem do chamado pacto da criação, uma terminologia usada entre os primeiros reformados. O uso dessa terminologia, mais abrangente que a terminologia da CFW (pacto de obras), permite-nos entender alguns aspectos mais amplos da teologia pactual, ou seja, o que sempre houve foi a graça com elemento no Mitte[7].
O substantivo berith (pacto) não aparece senão no capítulo 6 de Gênesis, estando, portanto, ausente da narrativa da criação e da queda (Gn 1–3). Como, então, falar de um "pacto da criação" se o termo sequer aparece na narrativa? Que evidências podem ser apresentadas?
Partindo-se do conceito da aliança como elo, laço, vínculo e relacionamento de amor, iniciado e administrado por Deus, verificamos que essa idéia é intrínseca na narrativa da criação. Destacamos, primeiramente, que ao criar Deus manteve um relacionamento com sua criação. Ele não só tinha o governo absoluto sobre ela, mas também mantinha tudo o que havia criado. De um dia da criação para o outro (dia um para o dia dois, dia dois para o dia três, etc.), Deus sustentava aquilo que, aparentemente, não podia ter auto-sustentação (pelo menos do ponto de vista do que chamamos de leis naturais). Assim, até que a criação estivesse completa, Deus estava sustentando de forma extraordinária a sua criação. Depois que ele terminou de fazer tudo o que havia proposto, a criação, com suas leis naturais, passou a se manter. Mesmo assim, sabemos que ele é o "sustentador de todas as coisas" (Hb 1:3).
Em segundo lugar, ao criar o ser humano (Gn 1.26-28), Deus o criou à sua "imagem e semelhança". Incluídas nessa imagem e semelhança estão as habilidades de comunicação e relacionamento (e suas implicações como pensar, obedecer, discernir, e fazer opções), como o texto bíblico deixa bem claro a partir do segundo capítulo de Gênesis. Essa imagem e semelhança permite que o homem criado se relacione com o Criador. Temos, portanto, presente no relato da criação, a possibilidade do desenvolvimento de relacionamentos.
Em terceiro lugar, aprendemos da narrativa da criação que Deus deu responsabilidades ao ser humano (macho e fêmea). Entre elas se encontram obrigações de cuidar e desenvolver o que Deus havia colocado em suas mãos:
Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar... Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles (Gn 2.15,19). Ao casal são dadas as responsabilidades de procriação, multiplicação e domínio refletidas nas bênçãos dadas a eles.
Em quarto lugar, verificamos que nesse relacionamento existe a verbalização clara da parte de Deus do que seriam as bênçãos e as possíveis maldições do pacto. Bênçãos e maldições são parte integrante dos pactos entre soberanos e vassalos no antigo Oriente Próximo.
E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra (Gn 1.28). E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás (Gn 2.16-17).
As bênçãos são dadas ao homem e expressas em forma imperativa no verso 28: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei, sujeitai, dominai. Em todos esses exemplos percebemos que o Criador está expressando à sua criatura mandatos em três áreas de relacionamento: espiritual, social e cultural. Essas características (soberania, sustento, relacionamento, responsabilidade, bênçãos e maldições) formam o conjunto de elementos do chamado pacto da criação.
          Pacto da Graça - Mas afinal, o que é o Pacto da Graça? Na verdade, não estamos falando de um outro pacto. O Pacto da Graça ainda é aquele antigo pacto de vida eterna firmado com Adão, mas com o seguinte aspecto: nesse pacto todas as bênçãos e recompensas não foram conquistadas pelo homem, tudo nos é concedido de graça. Deus não exige mais nada de nós porque Jesus já cumpriu nossa parte no pacto. Então, só podemos chegar a uma conclusão: o Pacto da Graça é a dispensação das bênçãos oferecidas a Adão no primeiro pacto, as quais ele não conquistou por causa da queda, sendo essas mesmas bênçãos conquistadas por Jesus e outorgadas a nós pela fé na condição de herdeiros, (Rm 8:17). O Pacto da Graça consiste então naquele novo relacionamento que Deus estabeleceu com o homem por meio de Jesus, no qual, o homem sendo pecador, é sujeito totalmente passivo em relação à sua salvação. Tudo o que diz respeito à salvação do homem só é possível pela mediação de Jesus. Eis a razão porque chamamos de Pacto da Graça, porque nele tudo é de graça, somos apenas herdeiros de uma herança que nos é concedida gratuitamente em Cristo. Não fizemos absolutamente nada para sermos merecedores das bênçãos. Deus tinha todas as razões para nos condenar, pois éramos merecedores de Sua ira, dignos apenas da condenação eterna, mas o Senhor renovou eficazmente Seu pacto de vida eterna que tem como causa o Seu amor e misericórdia, e nos concede, novamente, agora em Cristo, o direito de vida eterna que havíamos perdido em Adão, (I Co 15:22).
   Essas bênçãos conquistadas por Jesus são comunicadas a nós por meio da regeneração operada por Deus e segundo a Sua vontade, (Jo 1:13; Jo 6:44), regeneração essa que produz em nós a fé, por meio da qual somos justificados, ou seja, Deus cancela nosso débito contraído em Adão (nossa condenação) e lança um crédito em nossa conta (a vida eterna). Essas bênçãos nos são comunicadas de tal maneira que somos convertidos e santificados, e temos paz com Deus, tendo a garantia de perseverarmos em toda nossa caminhada até a glória, (Jo 10:28,29; Rm 8:31:39). O que não devemos confundir a esta altura é o papel da fé. Não somos justificados por causa da nossa fé, e sim por meio da fé. A fé não é a base da nossa justificação. Ela é apenas o instrumento pelo qual Deus nos considera dignos da vida eterna. Essa fé é algo que provém de Deus e não está inerentemente no homem, (Ef 2:8). Se a fé fosse a base da nossa justificação, isto é, se fôssemos salvos por causa da nossa fé, essa fé seria uma obra meritória, então a justificação seria por obras e não por fé. Mas a Palavra de Deus nos ensina que só a obra de Cristo é a única obra meritória para nossa salvação, e a fé, um dom dado por Deus, é o meio pelo qual nos apropriamos dessa obra. Assim, todas as bênçãos do pacto da graça nos são dadas como dádiva e não como salário, como se merecêssemos.      
             O QUE CRÊ A TEOLOGIA DISPENSACIONALISTA?
        Pode ser difícil sumarizar a teologia dispensacionalista como um todo, pois nos últimos anos têm se desenvolvido múltiplas formas da mesma. Em geral há três perspectivas principais.
    Primeiro, o dispensacionalismo vê Deus como estruturando seu ralacionamento com a humanidade através de diferentes dispensações, ou arranjos administrativos. Cada dispensação é um “teste” da humanidade para ser fiel à revelação particular dada naquele tempo. Comumente se fala em sete dispensações, a saber: inocência(antes da queda); consciência (Adão a Noé); promessa(Abraão a Moíses); Lei (Moíses a Cristo); Graça ( Pentecoste ao Arrebatamento) e o Milênio.
          Segundo, o dispensacionalismo sustenta  uma interpretação literal da Escritura. Isto não nega a existência de figuras de linguagem e linguagens não-literais da Bíblia, mas antes, significa que há um significado literal por detrás das passagens figuradas.
          Terceiro, como resultado desta interpretação literal da Escritura, o dispensacionalismo sustenta uma distinção entre Israel e a igreja. Nesta perspectiva, as promessas feitas a Israel no AT não foram pretendidas como profecias sobre o que Deus faria espiritualmente pela igreja, mas seria literalmente cumprida pelo próprio Israel (principalmente no milênio). Por exemplo, a promessa da terra que um dia Deus vai restaurar plenamente Israel à Palestina. Em contraste, os não-dispensacionalistas tipicamente vêem a promessa da terra como pretendida por Deus para profetizar, na forma obscura do antigo pacto, a grande realidade de que Ele um dia faria da igreja inteira, judeus, gregos e gentios herdeiros da promessa do reino. Destarte, o dispensacionalista crê em dois povos de Deus distintos.           
            TEOLOGIA BÍBLICA PACTUAL
            A Teologia Bíblica como disciplina acadêmica tem o seu campo próprio de ação, podendo ser resumido como uma divisa do conhecimento teológico que trata da revelação estudada dentro do seu processo histórico.
            Como o assunto da teologia bíblica é o processo da revelação divina, muitos estudiosos têm procurado definir um tema central, unificador, que seja um guia norteador no estudo da mesma. No presente estudo adotaremos como centro unificador três temas integrados: o Reino, o Pacto e o Mediador, como exposto e defendido por Van Groningen no seu livro “Criação e Consumação.” Os limites da nossa reflexão se estenderão, resumidamente, de Adão até Moisés.
            I – O MITTE
    Não se discute o fato de que as Escrituras revelam Deus e Jesus Cristo. Mas elas revelam mais. Elas revelam Deus como o Criador Triúno, Governador e Provedor do seu reino. Revelam que Deus é um Senhor pactual e que Jesus Cristo é o mediador do pacto e, conseqüentemente, o agente do reino. O cordão dourado que unifica e integra toda a mensagem escriturística, e que por essa razão é o mitte, consiste de três cordões inegavelmente dominantes: o reino, o pacto e o mediador. Todos os muitos ensinos e referências nas Escrituras são integralmente relacionados ou são aspectos essenciais destes três cordões.
    O texto bíblico expõe, consistentemente, estes três cordões diante de nós. Jesus Cristo, quando estava na terra, resumiu a causa a favor deste complexo triplo de conceitos quando pregou o reino e se declarou o mediador do pacto. Estes três conceitos inter-relacionados são explicados no Novo Testamento, mas são revelados e consistentemente desenvolvidos no Antigo Testamento. Atuam em toda a Bíblia como o meio básico revelador, administrativo e consumador dentro do plano do Deus Triúno, para o estabelecimento, a manutenção, a redenção e a consumação de toda sua criação.
  O conceito de reino é inclusivo e abrange tudo. Quatro aspectos integrais são fatores essenciais. O reino, em primeiro lugar, implica na presença e envolvimento do Rei. O Deus Triúno é o Rei; como tal, ele é o Criador Soberano, Governador, Mantenedor, Juiz e Consumador. Jesus Cristo recebeu a posição monárquica e atua como o redentor. Quando a tarefa redentora estiver completa, ele colocará a monarquia nas mãos do Pai (1 Co 15.24). Segundo, o reino inclui o domínio. O domínio é o que foi criado, trazido à existência, e governado. Isto inclui todo o cosmos, com suas dimensões inorgânicas, orgânicas, morais e espirituais. Terceiro, o reino inclui o trono, o assento do poder, ou o centro do qual o rei atua. Conseqüentemente, o tabernáculo, o templo, o palácio e Jerusalém são símbolos e tipos de um centro celestial. Finalmente, o reino inclui a atividade efetiva de domínio. Estão incluídos o exercício do poder e autoridade da realeza, as atividades judiciais, e a execução destes.
   É fácil entender a razão pela qual alguns estudiosos têm postulado o reino como o Mitte das Escrituras. Em certo sentido, pode se dizer que o reino é o tema que inclui tudo, que unifica, porque o pacto e o mediador são aspectos dominantes dele. Esses temas são tão importantes que devem ser realçados e, conseqüentemente, descritos como sendo dois dos três cordões que formam o cordão dourado.
   O reino não existe nem atua sem o pacto, pois o pacto, para ser e atuar como pacto, tem seu instrumento, o mediador. Estes três conceitos centrais são representados de várias formas através das Escrituras. Foram utilizados símbolos e tipos. Por exemplo, o reino israelita é um símbolo e tipo do reino eterno de Deus; o casamento é um símbolo do pacto. Reis, sacerdotes, profetas, os sacrifícios do tabernáculo, outros objetos e eventos simbolizam o mediador.
   A idéia de um pacto é citada repetidamente tanto no Antigo como no Novo Testamento. Deve ficar claramente entendido que o termo pode ter várias denotações específicas como, por exemplo, um acordo entre reis (1 Re 5.12) ou entre marido e mulher (Ml 2.14).
  Nesta conjuntura, poderá ser útil um breve sumário para mostrar ao que pacto se refere em Gênesis 1-11.21. O pacto deve ser considerado, antes de tudo, um relacionamento entre duas partes. Este relacionamento foi instituído para ser um vínculo sólido e duradouro. Ele foi um vínculo sólido de vida e amor entre Yahweh e a humanidade; isto é, o vínculo juntou as duas partes vivas em que a vida foi assegurada e o amor seria aspecto essencial desse vínculo vivo. Este vínculo de vida e amor incluía promessas, certezas, obrigações (mandatos, leis), e advertências (maldições), que atuavam para preservar o vínculo e serviam para fazer com que fosse, de fato, um relacionamento eficaz. O vínculo foi validado e assegurado através da palavra solene (ou juramento) de Yahweh, que é imutável. Para a humanidade envolvida no pacto com Yahweh, um sinal foi incluído, o arco-íris, da mesma forma como o sábado havia sido na conclusão das atividades criadoras.
  O pacto que Yahweh estabeleceu com Adão e Noé tinha uma referência mais ampla do que o aspecto pessoal. O pacto da criação incluía o relacionamento de Yahweh com a criação e, particularmente, o relacionamento de Adão e Eva, e de Noé e sua descendência com a criação. Esta dimensão mais ampla e inclusiva do vínculo fez, eficazmente, com que o pacto fosse também um meio de administração. Adão, Noé e suas descendências, em seus papéis de vice-gerentes, foram feitos administradores, eles tinham que dominar, cultivar, estabelecer famílias, ser frutíferos e encher a terra. Depois que o pecado foi introduzido, o relacionamento de amor e vida dentro do palco criacional foi restaurado e confirmado por Yahweh; ele acrescentou ao relacionamento e sua administração a dimensão redentora. A redenção deveria ser executada e se tornar uma realidade assegurada através do cumprimento das obrigações que Yahweh havia estipulado e através das promessas e maldições que havia enunciado.
  O terceiro cordão do cordão dourado é o mediador pactual; os termos "agente" e "servo" servem bem em certos contextos. O âmago do pacto centraliza-se no relacionamento entre Yahweh e os portadores de sua imagem, o primeiro Adão e sua descendência e o segundo portador da imagem, o Messias (Cl 1.15; Hb 1.3). O mediador recebeu os mandatos e as responsabilidades de cumprir a vontade, o plano, a meta e os propósitos de Yahweh, que iniciou e manteve seu pacto. Desta forma, os primeiros mediadores, Adão, Eva e posteridade, foram chamados para serem administradores pactuais sob Yahweh, dentro do reino cósmico. Quando Adão e Eva desobedeceram e violaram seu relacionamento de vida e amor, Yahweh proclamou imediatamente que a semente da mulher deveria ser o administrador do pacto da redenção também. Assim como Noé serviu como um mediador do pacto e, dessa forma, como um precursor e tipo de Cristo, assim também através da era do Antigo Testamento, outros serviram, incluindo Abraão, José, Moisés, Josué, os juizes, os profetas, sacerdotes e reis. Em um sentido real, todos os descendentes de Noé e Abraão foram chamados para ser mediadores, em particular a nação de Israel. Todos estes precursores e tipos humanos falharam, alguns drasticamente. Outros serviram de uma forma aceitável a despeito de suas fraquezas e pecados.
  Concluindo esta discussão sobre o Mitte, entendendo que o cordão dourado, que unifica e integra a mensagem bíblica e, conseqüentemente, também a teologia bíblica, consiste do reino de Yahweh e do pacto que ele estabeleceu com seus mediadores que portam sua imagem. Todos os aspectos da mensagem bíblica estão relacionados a este cordão dourado, e o sentido e significado deles são estabelecidos através de seu envolvimento ou contribuição para a explicação do reino, do pacto e do mediador.
               II – O CRIADOR E A CRIAÇÃO
            Apesar da ausência dos termos Rei e Reino no relato da Criação (Gn.1,2), a idéia de Reino está presente aqui e em toda a Escritura, principalmente no período da monarquia em Israel (Sl.103.19). Evidentemente elas não apresentam nenhuma definição absoluta para Reino de Deus. Mas se considerarmos o conceito mais básico de Reino, o que implicaria na presença de um Rei que governa soberano seu Reino, então não há dúvidas de que Deus Yahweh é o Rei absoluto e soberano sobre todas as coisas e nada escapa do seu domínio.
            Na criação, mais do que em qualquer outro registro bíblico, é possível perceber Deus Yahweh usando suas prerrogativas reais. Em primeiro lugar como soberano absoluto Deus Yahweh criou, não por constrangimento ou necessidade, mas por livre vontade. Há muitos conceitos correlatos que poderíamos usar para identificarmos a motivação de Yahweh para criar, sendo que, aquela mais inclusiva é a de que Ele criou para revelar sua glória com vistas ao seu próprio deleite e adoração das suas criaturas (Ef.1.11).
            Em segundo lugar, o resultado da ação criadora do Rei foi o Reino Cósmico. A diversidade dos elementos presentes neste reino e a maneira como eles se relacionam harmoniosamente revelam a sabedoria de Yahweh. Deve-se lembrar que, ao criar este reino cósmico, Ele iniciou um processo, o que implica num percurso linear, numa consumação gloriosa onde o cosmos é o palco para Deus Yahweh se revelar cada vez mais glorioso. Nesse particular devemos notar que Ele não apenas o criou, mas o mantém e dirige de acordo com seus planos e projetos reais.
            Em terceiro lugar este reino cósmico foi criado para funcionar a partir de leis e modelos implantados pelo próprio Rei. Entre estes podemos destacar a maneira como este Rei decidiu relacionar-se com seus súditos: o pacto. Introduzido divinamente pela atividade monergística e unilateral, mas seguido pela responsabilidade do homem em obedecer aos mandatos e as ordenanças presentes na estrutura da criação do reino cósmico.
            O primeiro é o mandato cultural. Nele o homem é convocado a se relacionar com os cosmos e exercer o papel da sujeição e domínio (Gn.1.28), guarda e cultivo (Gn.1.17). Extrair o máximo do cosmos para produzir, por meio das capacidades que foi dotado, o habitat em que a vida humana deveria se desenvolver. O segundo é o mandato social. Ao criar homem e mulher, Deus Yahweh ordenou como deveria ser o relacionamento entre eles, forneceu princípios para o convívio social e determinou-lhes a fecundidade. O terceiro é o mandato espiritual. Nele, homem e mulher, deveriam responder ao Criador num relacionamento de vida e amor. Para tanto eles foram criados com suficientes condições (Imago Dei) para exercer este mandato. Desfrutando dos benefícios da comunhão com o criador e alertados quanto às implicações da quebra deste vínculo relacional com aquele que é Espírito (Gn.2.16,17).           
            III – OS VICE-GERENTES E O REINO PARASITA
            Após analise no registro da criação de Adão e Eva (Gn.1.26-30; 2.7-25), fica claro sua distinção em comparação com o restante da criação. Quanto a eles é mencionada uma deliberação específica precedendo sua criação. São designados como Imagem e Semelhança do Criador, o que implica numa relação-pactual de vida e amor com privilégios e obrigações. Além do fato de terem recebido comissionamento reais, tendo sido feitos vice-gerentes do Rei na criação para sujeitá-la e dominá-la.
            Tendo sido criados no jardim chamado Édem, gozavam de todos os privilégios e obrigações dispostos pelo Criador. Entre as obrigações estava à proibição de não comerem do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Nesta ordem residia o teste de obediência do mandato espiritual. Desobedecer traria a ruína e a morte a eles e sua posteridade, o que de fato veio a acontecer.
            Não pode passar despercebido o agente da tentação: a serpente, Satanás. Ainda que a sua origem não seja discutida no texto, ele é apresentado como aquele por intermédio de quem penetrou na criação de Yahweh o mal e o pecado. Por conta disso, um outro reino tomou forma e se instalou no reino de Yahweh: o reino parasita de Satanás. É parasita porque não tem capacidade de existir por si próprio, mas depende de outro organismo vivo, o reino de Yahweh. Dessa maneira este reino penetrou na criação de Deus em todas as suas dimensões, principalmente no coração dos homens.
            Cada um dos envolvidos na cena da tentação no Éden recebeu sua sentença condenatória. Todavia, a maldição não finalizou ao reino de Yahweh, por causa da excelência das suas virtudes, ele mitigou a maldição e ainda anunciou seu programa redentivo, dando inicio assim ao pacto da redenção.
            IV – O REINO, O PACTO E O MEDIADOR: DE ADÃO A MOISÉS
3.1 Em Adão
            Deus Yahweh havia garantido a continuidade da raça humana quando mitigou as maldições do pacto. Mas ele foi além quando pré-anunciou o Evangelho: a boa notícia da restauração do seu reino cósmico dos efeitos da entrada do mal e do pecado. Um mediador que viria da semente da mulher foi anunciado como aquele que iria destruir o reino parasita. Ao mesmo tempo proclamou que, durante toda a história iria se desenvolver uma antítese: a semente pactual, estabelecida pela graça de Yahweh numa relação de vida e amor; e a semente de Satanás, homens e mulheres a serviço do reino parasita.
3.2 Em Noé (Gn.5.1-11.9)
            Nos dias de Noé as condições morais, sociais e espirituais revelavam claramente a existência da antítese entre o Reino de Yahweh e o Reino Parasita de Satanás. O mandato cultural era cumprido por ambos, enquanto no social o reino parasita deixava marcas indeléveis, de maneira que o mandato espiritual era ignorado pela maioria que estava imersa nas dobras e recantos do reino parasita de Satanás.
            Deus Yahweh usando suas prerrogativas reais anuncia o julgamento, a maldição do pacto, evidenciando que a despeito da atuação do reino parasita, o reino cósmico de Yahweh mantinha-se sobre seu controle e governo soberano. Noé, gracioso aos olhos de Yahweh, é usado por Ele para ser um agente pactual, um mediador. Através da arca, Deus Yahweh preservaria e continuaria a vida, administrando concomitantemente o pacto criacional e redentivo. Por meio desta ação manteria o Pacto e dava prosseguimento ao seu projeto. O reino parasita continuaria, como pode ser observado na vida dos filhos de Noé, mas a linhagem pactual teria continuidade na descendência de Sem, dela sairia o patriarca Abraão.
3.2 Em Abraão (Gn.12-25)
            A eleição e chamado de Abraão indicam claramente a soberania de Yahweh, Rei cósmico. Em sua intenção de levar adiante o pacto criacional e redentivo, por livre vontade escolhe um homem que vivia no contexto da atuação do reino parasita. A vocação de Abraão sinaliza a própria natureza pactual do relacionamento de Yahweh com seus súditos, monergista e unilateral na sua iniciativa.
        Os detalhes da chamada de Abraão (Gn.12.1-3) dão clara compreensão dos três temas integrados: Reino, Pacto e Mediador. É possível perceber a intenção régia de Yahweh na formação visível e nacional de um povo do Pacto – descendentes de Abraão. Por meio deles a redenção alcançaria níveis universais. Também é evidente que Abraão estava sendo colocado como uma pessoa pactual, um mediador.
          A resposta de Abraão, seu desprendimento em obedecer prontamente, a circuncisão e os demais eventos da sua vida apontam o vínculo de vida e amor estabelecido na sua relação com Yahweh. Tornando-se um modelo de fé para as demais gerações na linhagem pactual em antítese com o reino parasita.
3.3 Em Isaque, Jacó, Judá e José (Gn.26.1-50.26)
            Em Isaque temos o cumprimento da promessa feita a Abraão. Seu nascimento excepcional, devido a esterilidade de Sara, fornecem claras evidências do poder régio de Yahweh sobre as leis do seu reino cósmico. Na ocasião do conflito de Sara com sua serva Hagar e seu filho Ismael, fica exposto que Isaque é o pilar sustentador que continuaria a linhagem pactual.
            Em Jacó observamos que mais uma vez a soberania de Yahweh fica em relevo, quando ele, Jacó, é escolhido antes do nascimento para engrossar as fileiras dos agentes pactuais de Yahweh. A influência do reino parasita também são destacadas no caráter e personalidade de Jacó, no entanto, seu encontro transformador com Yahweh produz o vínculo de vida e amor e o modifica radicalmente, de maneira que seu novo nome, Israel, passará a identificar perpetuamente o povo da Aliança.
         Em José, Deus Yahweh exerce seu controle sobre o destino das pessoas. Esse controle ultrapassa os limites individuais, de maneira que o curso das nações está condicionado ao controle providencial de Yahweh. Providência que age para o benefício do povo do pacto, como pode ser observado na qualidade mediatária de José. É no final do registro sobre José que encontramos mais uma vez Jacó na qualidade de mediador e porta voz de Yahweh (Gn.48). E na sua mensagem profética Judá é apresentado como o personagem régio, na sua linhagem está garantida, mais uma vez, a semente da mulher que iria esmagar a cabeça da serpente.
3.4 Em Moisés (Ex.1.1-18.27)
            Muito tempo havia se passado e o povo do pacto estava preservado. Todavia, é no ambiente egípcio que os poderes antitéticos do reino parasita assumem contornos excepcionais. Faraó, agente do reino parasita de Satanás, percebendo que as crianças israelitas nasciam vigorosas e o número crescia cada vez mais, submete o povo a serviços pesados e providencia que o crescimento da prole israelense seja interrompido através da morte das crianças do sexo masculino.
            É nesse contexto que Deus Yahweh lembra-se de todas as promessas pactuais, depois de uma série de acontecimentos preparatórios, surge o agente pactual de Yahweh, Moisés. O reino parasita é desafiado e Yahweh, através do seu agente, usa seus poderes régios e humilha-o, juntamente com seus deuses, através de diversas pragas. O povo goza da redenção através do sangue, o cordeiro é o substituto dos primogênitos israelenses e dessa maneira a realeza de Yahweh e o pacto criacional e redentivo tem curso assegurado.
CONCLUSÃO
            Dissemos que a teologia bíblica versa sobre o estudo da revelação em seu processo histórico. Nesse processo três temas integrados estão em relevo: o reino, o pacto e o mediador. É nesse cordão de três fios que Deus vai preservando e mantendo o pacto criacional e redentivo. A despeito da presença do reino parasita de Satanás, os propósitos de Yahweh seguem livre curso, assegurado pela sua soberania e guiado por sua sabedoria. Dessa maneira, o cosmos se torna palco para a revelação de Jesus Cristo e, por conseguinte, a gloriosa consumação de todas as coisas.

REFERÊNCIAS E NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
GRONINGEN G. V. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. Vol. 1.
________________Revelação Messiânica no Velho Testamento.Campinas: LPC, 1995.
________________Família da Aliança. São Paulo: Cultura Cristã, 1997
MEISTER, M. F. Fides Reformata 1:1 (1996), 5-10, e Fides Reformata 2:1 (1997), 29-38.
ROBERTSON, P. O. O Cristo dos Pactos. Campinas: LPC, 1997.


[1] O substantivo pacto significa, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, "ajuste", "convenção" ou "contrato". Estes três substantivos são também usados para definir o significado do substantivo aliança. Diferentes versões da Bíblia em português usam os substantivos pacto, aliança, acordo e concerto para traduzir o substantivo hebraico berith que aparece cerca de 290 vezes no Antigo Testamento. Para todos esses sinônimos a idéia básica que encontramos é a de união entre duas partes, um pacto ou acordo bilateral. No entanto, até mesmo a etimologia do substantivo é grandemente discutida. Basta passar os olhos por alguns dicionários de teologia ou livros que tratem especificamente do assunto para verificar que há entre os estudiosos grande discordância. As posições mais defendidas são: (1) a de que berith é derivada do assírio birtu, que significa "laço", "vínculo"; (2) a de que o substantivo tem origem na raiz de barah, "comer," que aparece poucas vezes no Antigo Testamento (2 Sm 3.35; 12.17; 13.5; 13.6; 13.10; Lm 4.10), e está relacionado com a cerimônia que selava um acordo ou relacionamento entre partes; (3) a de que o substantivo está ligado à preposição bein "entre."De todas estas a primeira posição é a mais aceita entre os estudiosos do Antigo Testamento.
[2] Reformed Dogmatics – Volume 1, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, pgs. 461-2.
[3] Esse tipo de pacto não é algo sem precedentes na história. Ele é ilustrado pelos pactos do antigo Oriente Próximo entre conquistadores e conquistados, reis e vassalos. Nesses casos, os conquistados, quando entravam em pacto com os conquistadores, não tinham o direito de propor qualquer coisa nos termos do pacto. Este tipo de pacto pressupõe a figura de uma parte "soberana". Um dos lados tem a vantagem do domínio e se propõe a cumprir um determinado papel; o outro, tendo também um papel a cumprir, se submete às exigências pactuais. No pacto divino-humano encontramos a relação criador-criatura, rei soberano-servo.
[4] A história da doutrina do pacto de obras é longa e controvertida. O reconhecimento de um pacto antes da queda já aparece nos escritos de Agostinho, o bispo de Hipona, no quarto século: "O primeiro pacto, que foi feito com o primeiro homem, é este: No dia em que dela comerdes, certamente morrerás. "  Agostinho, discutindo a questão dos pactos bíblicos, afirma que "muitas coisas são chamadas de pactos de Deus além daqueles dois grandes, o novo e o velho..." Porém, ainda que reconhecida desde cedo por teólogos como Agostinho, a doutrina do pacto de obras só foi desenvolvida bem mais tarde, pelos reformadores do século XVI. A nomenclatura pacto de obras, adotada pela CFW, não foi consensualmente aceita pelos reformadores e primeiros reformados. Uma nomenclatura diversa surgiu logo no princípio (ex: pacto da criação). Mais adiante, na elaboração do conceito bíblico de pacto, a questão do nome será considerada. Assim como a questão do nome da doutrina foi controvertida no princípio, a sua origem como sistema teológico é motivo de controvérsia nos dias atuais.
[5] A Confissão de Fé, o Catecismo Maior, o Breve Catecismo, 1ª ed. especial (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991), 41-43
[6] Outras evidências levantadas para o pacto da criação são os textos de Oséias 6.7; Jeremias 33.20, 25, e Gênesis 6.18. Sem muitos detalhes exegéticos, exponho abaixo as razões principais porque se pensa que esses textos falam de um pacto da criação. Oséias 6.7 fala da transgressão de Adão contra o pacto: "Mas eles transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim." Uma leitura simples e direta do texto reflete que havia um pacto entre Deus e Adão, portanto, um pacto pré-queda, que pode ser tido como o pacto da criação. Essa leitura reflete o pressuposto de que os escritores bíblicos tinham conhecimento de outros escritos bíblicos, anteriores e contemporâneos. Oséias estaria, portanto, falando do pacto da criação. Para alguns estudiosos, entretanto, isto não é admissível, considerando vários pressupostos diferentes do exposto acima. Eles adotam uma leitura diferente do texto, como a Bíblia na Linguagem de Hoje "Mas na cidade de Adã o meu povo quebrou a aliança que fiz com ele e ali foi infiel a mim." De fato, existe uma cidade bíblica com esse nome (Js 3.16). No entanto, para que o texto de Oséias 6.7 seja traduzido como a Bíblia na Linguagem de Hoje sugere, é necessário que se faça uma emenda do texto hebraico, substituindo a preposição "como" por "em," sem que haja qualquer evidência da necessidade dessa troca. Ainda mais, não se sabe de um pecado cometido pelo povo de Israel ao passar por aquele lugar que fosse registrado e então mencionado pelo profeta. Assim, esta proposta de leitura não acha qualquer argumento sustentável. Outra possível leitura provêm da tradução grega do Antigo Testamento, a Septuaginta (LXX), que traduz a expressão "como Adão" por "como homens." Nesse caso, estaria implícito um pacto entre Deus e a humanidade.
[7] Palavra Alemã que define o centro unificador ou cordão de ouro, a saber: Reino, Pacto e Mediador.