Quando foi falado da Soberania de Deus como uma prerrogativa inerente na totalidade da constituição do Seu Ser, há uma dedução obvia que este estado Soberano de existência irriga também Seus atributos, como a expressão máxima da Sua vontade Soberana em todas as coisas e particularmente na Oração. O Apóstolo João cônscio desta verdade escreve “Se pedirmos alguma cousa segunda a sua vontade ele nos ouve” (1ª Jo 5.14).
A admissão que Deus regula e governa os movimentos mais eminentes no Cosmos deve ser uma coerência na admissão, que os acontecimentos menores também são Soberanamente governados por Ele. Mesmo porque os grandes movimentos têm uma dependência dos pequenos, ou seja, “o menor movimento da vontade humana é regulado pela vontade de Deus”. [1] Em contrapartida, a idéia que as vontades menores do homem são reguladas por Deus, cria um enorme desconforto, pois há a ambição do regulamento dos acontecimentos menores por parte do homem, enquanto os grandes acontecimentos estão no controle dEle, sintetizando, Deus controla o Universo e o homem por sua parte controla sua vida. Na verdade o homem desenvolve o seu eu como um deus para as causas menores, porque as disposições de seu destino pormenorizadamente devem ser absolutamente reguladas pelo próprio homem. Ademais a idéia de Deus fazer Sua vontade, traz um enorme receio que o homem não possa fazer a sua.
Os tempos atuais trazem uma saturação da idéia de um Deus Soberano. Portanto, com expressividade narcisista por parte do homem, a Oração vem se transformando em um meio, onde a política de Deus é moldada e alterada pelo homem. O gnóstico americano Emerson declarou de si mesmo, “Eu vejo todas as correntes do Universo circulando através de mim, eu sou uma parte e uma parcela de Deus” [2], diante desta super valorização do eu, a Oração se transforma não em um meio de se comunicar com a Divindade, que pode mudar as coisas conforme Seus propósitos eternos, mas um meio para empregar técnicas, que como um fim em si mesma, asseguram resultados, fazendo da Oração mais uma forma de terapia, um ato dialógico consigo mesmo, do que com um Deus que é distinto daquele que intercede.
Um certo autor escrevendo sobre a Oração declara que “as possibilidades e necessidades da Oração, seu poder e seus resultados se manifestam no refrear e alterar os propósitos de Deus e no aliviar o impacto do seu poder” [3], afirmando com esta declaração teologicamente idiota que Deus é semelhante ao homem podendo alterar Seus propósitos e idéias da mesma forma que os homens o faz, com sua capacidade pequena de ver as coisas e a incapacidade de ver além dos seus planos traçados.
Paulo escrevendo aos Efésios 1.11 diz que Deus “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. Esta declaração explícita do apóstolo atentoza a pessoa do Deus Altíssimo, ratifica que a política de execução não está e nunca será moldada pelas Orações dos homens. Paulo em Romanos 11.34 indaga “Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? evidenciando que não há subordinação em hipótese alguma do Senhor em relação “aos vermes da terra”. [4]
O caráter de Deus revelado nas Escrituras não pode ser descaracterizado, como se Ele fosse um camaleão que sofre mutações diárias de cor e imprevisibilidade epidérmica de existência. Qual seria a confiança em elevar Orações a um ser que ontem agiu de uma forma e hoje mudou de idéia? Dirigir petições a um monarca terreno que hoje atende pedidos e amanhã os revoga? Seria absolutamente patético.
A Oração é uma ação Soberana de Deus no cumprimento de Sua vontade, onde as mudanças ocorrem no campo do terreno, para a confirmação dos decretos arrolados na eternidade. Deus é Soberano na Oração do justo não somente o sugestionando a Orar, mas o convocando imperativamente a ser participante dos cumprimentos de Seus propósitos, havendo uma coadunação da Sua Soberana vontade com a vontade do homem.
Está harmonia é bem expressa por Packer:
“Não há nenhuma tensão ou inconsistência entre o ensino da Escritura a respeito da predeterminação soberana de Deus para todas as coisas e a eficácia da oração. Deus predetermina os meios, bem como o fim, e nossa oração é predeterminada como o meio pelo qual Ele faz com que se realize a sua soberana vontade.” [5]
Os homens de uma forma ou de outra sempre postularam o caráter absoluto da Soberania de Deus, muitas vezes banindo Sua Soberania. Entretanto o Deus-homem que nos revela Deus categoricamente, ensina a real percepção que se deve ter no momento da grandeza da Oração. Em Mt 6.8 Jesus declara que a repetitividade dos gentios em suas Orações é verbalização para o vazio, e completa sua prédica afirmando que as necessidades de um justo são conhecidas mesmo antes que ele Ore. Porém, diante disto surge tal questionamento intrigante, Se Deus sabe o que preciso, se conhece todas as necessidades do pedinte, por que Orar? Qual seria a finalidade de uma apresentação de necessidades já conhecida?
A resposta a estas perguntas leva ao leitor da Bíblia, a lê-la com as lentes de Jesus, que traz um conceito e uma percepção diferentes a respeito da Oração. Pode ser que para muitos a Oração é um simples instrumento para fazer as coisas acontecerem, onde Deus fica a disposição com Seu poder inefável esperando a ativação da Oração como recurso inesgotável de bênçãos.
O Orar, insistir, suplicar, e jejuar podem muitas vezes advir de motivações equivocadas, que por sua vez levam pessoas a acharem que a pratica de tudo isso convencerá Deus a fazer o que o peticionário julgou correto. Todavia, Jesus profere que Deus sabe das necessidades do justo, pois este saber não é meramente intelectual, mas é um saber com cuidados e que antes mesmo que haja consciência das necessidades na mente humana, Ele já as conhece, pois é Soberano. Aliás, mesmo que no coração do santo não tenha penetrado a realidade da carência e que determinada carência demore a chegar a sua consciência, ela não escapa da provisão Soberana de Deus.
A Oração não é um ato sádico de Deus, que quer ver seus filhos se humilhando e se convalescendo diante de Seus pés, por outro lado não é somente a busca das necessidades, mas é um ato de procura não pelo que Ele pode e tem para oferecer, e sim por quem Ele é, desenvolvendo a motivação essencialmente correta que é a comunhão e amizade com Ele.
O saber do Pai celestial das necessidades dos justos muda radicalmente todo o conceito utilitário que muitos tem da Oração, apontando para um novo modelo de relação, onde as necessidades não são mais a pauta principal, mas sim o relacionamento pessoal com um Deus Soberano que exerce Sua Soberania na Oração, transformando a vida de seu interlocutor e mudando as coisas em seu redor.
Ricardo Barbosa cônscio da Soberania de Deus em vista as necessidades, expressou “A Oração não existe para informar a Deus o que Ele já sabe a respeito de nossas necessidades, mas para gozar da alegria de experimentar sua vontade justa e Soberana, e no mais, as outras coisas serão acrescentadas.” [6]
A livre vontade de Deus em agir é respaldada pelo trabalho Soberano dEle na Oração, por isso que em Sua vontade preceptiva Seu próprio Filho não Ora segundo a sua própria vontade, mas despoja-se de seu eu volitivo sendo submisso à vontade do Pai (Mt 26.39).
Na verdade a centralidade da espiritualidade do Filho era o Pai, porém o que temos hoje são pessoas no engano do triunfalismo evangélico, centralizando em sua pseudo-espiritualidade: a ausência de dor, sofrimento, soluções espetaculares e rápidas para todo tipo de problema humano por meio da Oração, que muitas vezes transforma-se em arbitração humana e dar-se ao homem e a Oração um poder que não lhe pertence. Ricardo Barbosa coloca isso categoricamente:
“Nossas Orações, normalmente são monólogos que estabelecemos com Deus. Apresentamos nossas listas com as necessidades mais diversas, nossas suplicas, muitas vezes com exigências absurdas e esperamos que Deus as cumpra, revelando assim seu poder e amor por nós. Nossos juízos, falas e decisões quase sempre são tomados tendo como referencial apenas nossa percepção imediata da realidade, bem como nossas carências afetivas e emocionais.” [7]
A Oração não deve ser pautada na inexistente soberania do homem, ou da própria Oração em si, mas deve estar pautada na mente e no coração como uma ação Soberana do Pai, com a mediação Soberana do Filho e a maestria Soberana do Espírito Santo, despojando-se de uma vaidade de busca e reconhecendo que Deus, e somente Deus é o motivo e a razão para a Oração dos santos.
rev. Jeferson Roberto
[1] BONAR, Horatius. Revista Fé para Hoje. São Paulo: Fiel, 2002, nº 15, p.09.
[2] HORTON, Michael. A Face de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p.28.
[3] Apud, PINK, A. W. Deus é Soberano. São Paulo: Fiel, 1997, p.126.
[4] Ibidem, p.127.
[5] PACKER, J. I. Op. Cit., p.24.
[6] SOUSA, Ricardo Barbosa. Op. Cit., 1999, p.163.
[7] Ibidem, p.168
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