por Olavo de Carvalho
Assustado
com o número de mensagens falsas altamente comprometedoras que circulam em seu
nome na internet, o deputado Jean Wyllys lançou do alto da sua tribuna na
Câmara as perguntas desesperadas: "Será que as pessoas perderam todo o
senso? Que é que está acontecendo neste país?"
São
perguntas que faço há pelo menos vinte anos. Mas não foi só nisso que antecedi
o sr. Wyllys. Também foi vinte anos atrás que o meu nome passou a circular como
signatário de mensagens nazistas, terroristas, racistas, anti-semitas, o diabo.
A isso veio acrescentar-se um caudal inesgotável de lendas urbanas que me
apresentavam como espião da CIA ou do Mossad, como beneficiário de verbas do
Partido Republicano, como agente comunista enrustido, como mentor secreto do
Opus Dei e dos skinheads e, last not least, como guru de uma perigosa seita
gnóstica.
O
sr. Wyllys está choramingando por coisa pouca. Em matéria de character
assassination, ele mal sentiu o gostinho de um veneno que há décadas me é
servido em doses oceânicas. Mas a nossa diferença não é só quantitativa. No
caso dele, a mídia solícita e um punhado de ONGs correram para desmentir as
mensagens, passando a reputação do deputado por um lava-rápido do qual saiu
brilhando com o fulgor beatífico das vítimas inocentes; ao passo que, quando o
atingido era eu, até figuras mais conhecidas como os srs. Leandro Konder, Emir
Sader e Mário Augusto Jacobskind, à esquerda, ou os srs. Rodrigo Constantino,
Anselmo Heydrich e Janer Cristaldo, à direita, se apressaram em legitimar o
acervo lendário anônimo, aprimorando-o e acrescentando-lhe novas invencionices
de sua própria criação.
A coisa
avolumou-se a tal ponto que ultrapassou toda possibilidade de contestação ou
revide. Embora o número de pessoas de nível universitário envolvidas nessa
operação subisse a vários milhares, caracterizando um fenômeno sociológico de
dimensões alarmantes, o sr. Wyllys achou mais escandaloso e mais significativo
o fato de que tratamento similar lhe fosse aplicado homeopaticamente, em dose
única e diluição infinitesimal.
Quando
ele pergunta o que há de errado na mente dos brasileiros, deveria aferir antes
de tudo o seu próprio senso das proporções. De qualquer modo, as perguntas
valem por si. A vida na
sociedade baseia-se na aceitação geral e costumeira de certos princípios
tácitos, que servem de critério de julgamento nos instantes de confrontação e
dúvida. É o que Antonio Gramsci, dando ao termo uma conotação peculiar,
denominava "senso comum".
O próprio
Gramsci reconhecia que o senso comum predominante nas nações ocidentais
refletia, grosso modo, a cosmovisão cristã, mesmo em versão laicizada e
amputada de quaisquer referências religiosas.
A
demolição desse senso comum tornou-se desde os anos 60 o objetivo prioritário
do combate cultural revolucionário. Mas nem de longe imaginem que "combate
cultural" significa uma luta de ideias, uma disputa entre eruditos. Não
significa nem mesmo propaganda ou "doutrinação".
As
pessoas que me escrevem queixando-se da "doutrinação esquerdista" que
seus filhos recebem nas escolas, venho há anos tentando explicar que os bons
tempos da doutrinação e da propaganda já acabaram, que há décadas o sistema
educacional ameaça a integridade mental das nossas crianças com algo de bem
mais perverso e temível: um conjunto de técnicas de manipulação comportamental
que permitem moldar ou modificar atitudes e hábitos diretamente, sem
passar pela inculcação de idéias e crenças, isto é, sem qualquer apelo ao
pensamento consciente.
Já falei
disso no meu livro de 1996, O Jardim das Aflições, e recentemente a Vide
Editorial publicou, a conselho meu, a obra-padrão sobre o assunto: Maquiavel
Pedagogo ou O Ministério da Reforma Psicológica, de Pascal Bernardin.
A
doutrinação comunista clássica baseava-se nas artes da dialética, da retórica e
da propaganda, e procurava inculcar na mente do público uma concepção do mundo,
da história e da política, o que não era possível sem mostrá-la como
alternativa a alguma concepção concorrente, alimentando discussões.
As novas técnicas
não têm nada a ver com retórica e propaganda. Baseiam-se inteiramente nas
chamadas "ciências da gestão": engenharia social, marketing,
gerenciamento, psicologia comportamental, programação neurolinguística,
Storytelling, Social Learning e Reality Building.
Um dos
efeitos mais diretos da aplicação dessas técnicas em escala de massas é a
disseminação epidêmica de um estado crônico de "dissonância
cognitiva", um quadro mental descrito pioneiramente por Leon Festinger em
1957. Dissonância cognitiva é conflito entre as crenças e a conduta.
Dissonâncias
cognitivas temporárias são normais e até desejáveis no desenvolvimento humano.
Quando o quadro se torna crônico, rompe-se a unidade da consciência moral e o
indivíduo tem de buscar fora dele mesmo, na aprovação grupal ou na repetição de
slogans ideológicos, um sucedâneo da integridade perdida. Ao espalhar-se entre
a população, a incapacidade de julgar realisticamente a própria conduta resulta
na queda geral do nível de moralidade, assim como na disseminação concomitante
da criminalidade e das condutas destrutivas, mas isso, segundo os engenheiros
sociais, é um preço módico a pagar pela dissolução do senso comum e pela
implantação dos novos modelos de conduta desejados.
Antes de
posar de vítima da falta de consciência moral dos outros, o sr. Wyllys deveria
perguntar se o próprio movimento que ele representa não tem utilizado
abundantemente essas técnicas para modificar a conduta de crianças,
adolescentes e adultos.
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