INTRODUÇÃO
No nosso estudo, teologia bíblica
e sistemática do pacto podem ser definidas como o estudo da revelação de
Deus registrada nas Escrituras do Antigo e Novo Testamento em palavras e atos,
cujo modo essencial do relacionamento de Deus com sua criação é o pacto,
monergístico e unilateral na sua iniciativa, porém bilateral em sua realização
no sitz in
leben
com participação de outra parte, a saber, o
homem.
NATUREZA
DA REVELAÇÃO
A revelação de Deus possui
características próprias, quais são: (1) Histórica: Deus revelou sua
vontade, em palavras e atos, no decurso da história humana, inserida no
ambiente e contexto específico em que viveram os receptores dessa revelação. (2)
Progressiva: A revelação não foi comunicada em todos os aspectos de
uma só vez, mas foi progressivamente manifestada. A cada nova revelação algum
aspecto, formal e externo, era acrescentado e outros confirmados. Contudo, isso
não significa uma alteração na mensagem, pois a natureza e o sentido básico
dessa revelação permaneceram os mesmos apesar das mudanças externas e formais. (3)
Orgânica: Esse aspecto elucida o anterior. Significa que a mensagem
foi dada inteira na sua forma embrionária. Todos os elementos estavam presentes
como uma semente que mais tarde se transforma numa robusta árvore. (4) Adaptável:
A revelação não era algo desassociado da vida das pessoas, mas funcionava como
a mola mestra e o princípio motivador que guiava e nutria o sentido da
existência dos recipientes, e que, corretamente interpretada, continua sendo adaptável
aos nossos dias.
O entendimento dessas
características e a compreensão do registro bíblico como INSPIRADO, INERRANTE e
INFALÍVEL é fundamental para uma correta abordagem do estudo dessa lição.
Abaixo um gráfico que pode ajudar:
O SIGNIFICADO DA PALAVRA PACTO
A
palavra que a Escritura usa para o pacto
é derivada da palavra בּרית (berith) do Antigo Testamento. Alguns pensam que a
palavra é derivada de um termo que significa “cortar”. De acordo com essa
interpretação, berith está conectado com o costume de cortar os animais
do sacrifício pelo meio e colocar as metades umas defronte das outras quando um
pacto era concluído para que as partes pactuais pudessem passar entre os
pedaços daqueles animais sacrificiais como um sinal e juramento da fidelidade
delas. Quando o Senhor concluiu seu pacto com Abraão, de acordo com Gênesis
15:9-17, ele se adaptou a esse costume. Contudo, de acordo com essa passagem em
Gênesis, somente o Senhor passou pelos pedaços dos animais sacrificiais, Abraão
não o fez. Isso pode apenas significar que o Senhor não concluiu ou contratou
um pacto com Abraão, mas simplesmente o estabeleceu. Esse é o ensino real da
Escritura. Deus estabelece seu pacto. O pacto é seu. Nunca o homem se torna uma
parte com Deus na conclusão de um pacto. Essa é a natureza do pacto. Como pode
a criatura ser uma parte ao lado do seu criador? Como pode o homem, que não
possui absolutamente nada de si mesmo, que deve receber tudo de Deus, alguma
vez aparecer como uma parte contratante em relação ao Altíssimo?
Por exemplo,
exatamente o que se quer dizer quando se fala em acordo? Isto implica em que as
alianças bíblicas sejam "bilaterais"? Não se pode negar que a idéia
de pacto traga consigo, no seu sentido mais natural, a bilateralidade, ou seja,
duas partes são envolvidas em um pacto. Vários pactos acontecem entre duas
pessoas, nações ou grupos na narrativa bíblica (ver Js 9.15; 1 Sm 20.16; 2 Sm
3.12-21; 5.1-3; 1 Rs 5.12); em certos casos um pacto é feito para resolver uma
disputa entre partes (Gn 21.22-32; 26.26-33; 31.43-54).
Centenas de vezes o substantivo aparece no contexto de um
pacto entre Deus e seres humanos. Como, nesse contexto, entender a
bilateralidade? Um pacto implica sempre em igualdade entre as partes?
Certamente que não. A bilateralidade,
no contexto do pacto entre Deus e homens, implica tão somente em que duas
partes estão envolvidas, mas não que exista a igualdade entre essas partes.
Teólogos têm chamado esse tipo de aliança "unilateral" de
"monergista," ou seja, iniciada e garantida por Deus nos seus termos.
Portanto, estamos falando de uma aliança que não envolve um acordo de duas
partes, na qual não existe negociação de direitos e obrigações. Nesse sentido a
aliança divino-humana é unilateral. É um compromisso feito pela iniciativa de
Deus com relação à sua criação. O ser humano é um receptor da aliança divina.
Isso se torna evidente no texto de Gênesis 17.2, que é traduzido para o
português como — "Farei uma aliança entre mim e ti" — onde o verbo
traduzido como "fazer" tem por raiz no hebraico o verbo
"dar" (nathan), que nos daria, se traduzido literalmente, uma
sentença sem sentido. No entanto, a força do argumento está no fato de que a
raiz do verbo traduzido por "fazer" em português envolve algo que é
dado: um pacto. O texto não reflete um acordo de duas partes iguais, com os
mesmos direitos.
De
acordo com outros, o termo para pacto no Antigo Testamento significa um
laço (vínculo) e deve ser derivado de uma palavra que significa “obrigação”. O
fato é que o termo para pacto, que parece aproximadamente trezentas
vezes no Antigo Testamento, tem mais de uma vez o significado de um testamento,
e no grego é traduzido pelo termo διαθήκη, uma palavra que tem exatamente esse significado.
A TEOLOGIA PACTUAL NA CONFISSÃO WESTMINSTER
DO PACTO DE DEUS COM O HOMEM - capítulo VII
I. Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que,
embora as criaturas racionais lhe devam obediência como seu Criador, nunca
poderiam fruir nada dele, como bem-aventurança e recompensa, senão por alguma
voluntária condescendência da parte de Deus, a qual agradou-lhe expressar por
meio de um pacto.
II. O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de
obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e, nele, à sua posteridade, sob
a condição de perfeita e pessoal obediência.
III. Tendo-se o homem tornado, pela sua queda, incapaz de
ter vida por meio deste pacto, o Senhor dignou-se a fazer um segundo pacto,
geralmente chamado o pacto da graça. Neste pacto da graça ele livremente
oferece aos pecadores a vida e a salvação através de Jesus Cristo, exigindo
deles a fé, para que sejam salvos, e prometendo o seu Santo Espírito a todos os
que estão ordenados para a vida, a fim de dispô-los e habilitá-los a crer.
Pacto das Obras
O texto fala de dois pactos feitos com
o ser humano. O primeiro foi feito com Adão antes da queda e é chamado de pacto
de obras. No segundo, feito depois da queda, a salvação e a vida são oferecidas
a "todos os que estão ordenados para a vida." Este é chamado de pacto
da graça. Esses dois pactos estão "centralizados em torno do primeiro Adão
e do segundo Adão, que é Cristo."
A teologia esposada na CFW é conhecida como teologia pactual, um sistema
teológico em que o conceito de pacto serve como estrutura básica.
Pacto da Criação
Robertson, Van Groningen e Dumbrell. O interesse especial na obra desses três teólogos
contemporâneos está na exposição que fazem do chamado pacto da criação, uma
terminologia usada entre os primeiros reformados. O uso dessa terminologia,
mais abrangente que a terminologia da CFW (pacto de obras), permite-nos
entender alguns aspectos mais amplos da teologia pactual, ou seja, o que sempre
houve foi a graça com elemento no Mitte.
O substantivo berith (pacto) não aparece senão no capítulo
6 de Gênesis, estando, portanto, ausente da narrativa da criação e da queda (Gn
1–3). Como, então, falar de um "pacto da criação" se o termo sequer
aparece na narrativa? Que evidências podem ser apresentadas?
Partindo-se do conceito da aliança como elo, laço, vínculo
e relacionamento de amor, iniciado e administrado por Deus, verificamos que
essa idéia é intrínseca na narrativa da criação. Destacamos, primeiramente, que
ao criar Deus manteve um relacionamento com sua criação. Ele não só tinha o
governo absoluto sobre ela, mas também mantinha tudo o que havia criado. De um
dia da criação para o outro (dia um para o dia dois, dia dois para o dia três,
etc.), Deus sustentava aquilo que, aparentemente, não podia ter
auto-sustentação (pelo menos do ponto de vista do que chamamos de leis
naturais). Assim, até que a criação estivesse completa, Deus estava sustentando
de forma extraordinária a sua criação. Depois que ele terminou de fazer tudo o
que havia proposto, a criação, com suas leis naturais, passou a se manter.
Mesmo assim, sabemos que ele é o "sustentador de todas as coisas" (Hb
1:3).
Em segundo lugar,
ao criar o ser humano (Gn 1.26-28), Deus o criou à sua "imagem e
semelhança". Incluídas nessa imagem e semelhança estão as habilidades de
comunicação e relacionamento (e suas implicações como pensar, obedecer, discernir,
e fazer opções), como o texto bíblico deixa bem claro a partir do segundo
capítulo de Gênesis. Essa imagem e semelhança permite que o homem criado se
relacione com o Criador. Temos, portanto, presente no relato da criação, a
possibilidade do desenvolvimento de relacionamentos.
Em terceiro lugar,
aprendemos da narrativa da criação que Deus deu responsabilidades ao ser humano
(macho e fêmea). Entre elas se encontram obrigações de cuidar e desenvolver o
que Deus havia colocado em suas mãos:
Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim
do Éden para o cultivar e o guardar... Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da
terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem,
para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres
viventes, esse seria o nome deles (Gn 2.15,19). Ao casal são dadas as
responsabilidades de procriação, multiplicação e domínio refletidas nas bênçãos
dadas a eles.
Em quarto lugar,
verificamos que nesse relacionamento existe a verbalização clara da parte de
Deus do que seriam as bênçãos e as possíveis maldições do pacto. Bênçãos e
maldições são parte integrante dos pactos entre soberanos e vassalos no antigo
Oriente Próximo.
E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos,
enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos
céus e sobre todo animal que rasteja pela terra (Gn 1.28). E o SENHOR Deus lhe
deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do
conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres,
certamente morrerás (Gn 2.16-17).
As bênçãos são dadas ao homem e expressas em forma
imperativa no verso 28: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei, sujeitai,
dominai. Em todos esses exemplos percebemos que o Criador está expressando à
sua criatura mandatos em três áreas de relacionamento: espiritual, social e
cultural. Essas características (soberania, sustento, relacionamento,
responsabilidade, bênçãos e maldições) formam o conjunto de elementos do
chamado pacto da criação.
Pacto
da Graça - Mas afinal, o que é o Pacto
da Graça? Na verdade, não estamos falando de um outro pacto. O Pacto da Graça
ainda é aquele antigo pacto de vida eterna firmado com Adão, mas com o seguinte
aspecto: nesse pacto todas as bênçãos e recompensas não foram conquistadas pelo
homem, tudo nos é concedido de graça. Deus não exige mais nada de
nós porque Jesus já cumpriu nossa parte no pacto. Então, só podemos chegar a
uma conclusão: o Pacto da Graça é a dispensação das bênçãos oferecidas a Adão
no primeiro pacto, as quais ele não conquistou por causa da queda, sendo essas
mesmas bênçãos conquistadas por Jesus e outorgadas a nós pela fé na condição de
herdeiros, (Rm 8:17). O Pacto da Graça consiste então naquele novo relacionamento
que Deus estabeleceu com o homem por meio de Jesus, no qual, o homem sendo
pecador, é sujeito totalmente passivo em relação à sua salvação. Tudo o que diz
respeito à salvação do homem só é possível pela mediação de Jesus. Eis a razão
porque chamamos de Pacto da Graça, porque nele tudo é de graça, somos apenas
herdeiros de uma herança que nos é concedida gratuitamente em Cristo. Não
fizemos absolutamente nada para sermos merecedores das bênçãos. Deus tinha
todas as razões para nos condenar, pois éramos merecedores de Sua ira, dignos
apenas da condenação eterna, mas o Senhor renovou eficazmente Seu pacto de vida
eterna que tem como causa o Seu amor e misericórdia, e nos concede, novamente,
agora em Cristo, o direito de vida eterna que havíamos perdido em Adão, (I Co
15:22).
Essas bênçãos conquistadas por
Jesus são comunicadas a nós por meio da regeneração operada por Deus e segundo
a Sua vontade, (Jo 1:13; Jo 6:44), regeneração essa que produz em nós a fé, por
meio da qual somos justificados, ou seja, Deus cancela nosso débito contraído
em Adão (nossa condenação) e lança um crédito em nossa conta (a vida eterna).
Essas bênçãos nos são comunicadas de tal maneira que somos convertidos e
santificados, e temos paz com Deus, tendo a garantia de perseverarmos em toda
nossa caminhada até a glória, (Jo 10:28,29; Rm 8:31:39). O que não devemos
confundir a esta altura é o papel da fé. Não somos justificados por causa da
nossa fé, e sim por meio da fé. A fé não é a base da nossa justificação. Ela é
apenas o instrumento pelo qual Deus nos considera dignos da vida eterna. Essa
fé é algo que provém de Deus e não está inerentemente no homem, (Ef 2:8). Se a
fé fosse a base da nossa justificação, isto é, se fôssemos salvos por causa da
nossa fé, essa fé seria uma obra meritória, então a justificação seria por
obras e não por fé. Mas a Palavra de Deus nos ensina que só a obra de Cristo é
a única obra meritória para nossa salvação, e a fé, um dom dado por Deus, é o
meio pelo qual nos apropriamos dessa obra. Assim, todas as bênçãos do pacto da
graça nos são dadas como dádiva e não como salário, como se merecêssemos.
O QUE CRÊ
A TEOLOGIA DISPENSACIONALISTA?
Pode ser difícil sumarizar a teologia dispensacionalista
como um todo, pois nos últimos anos têm se desenvolvido múltiplas formas da
mesma. Em geral há três perspectivas principais.
Primeiro, o dispensacionalismo vê Deus como estruturando seu
ralacionamento com a humanidade através de diferentes dispensações, ou arranjos
administrativos. Cada dispensação é um “teste” da humanidade para ser fiel à
revelação particular dada naquele tempo. Comumente se fala em sete
dispensações, a saber: inocência(antes da queda); consciência (Adão a Noé);
promessa(Abraão a Moíses); Lei (Moíses a Cristo); Graça ( Pentecoste ao Arrebatamento)
e o Milênio.
Segundo,
o dispensacionalismo sustenta uma
interpretação literal da Escritura. Isto não nega a existência de figuras de
linguagem e linguagens não-literais da Bíblia, mas antes, significa que há um
significado literal por detrás das passagens figuradas.
Terceiro,
como resultado desta interpretação literal da Escritura, o dispensacionalismo
sustenta uma distinção entre Israel e a igreja. Nesta perspectiva, as promessas
feitas a Israel no AT não foram pretendidas como profecias sobre o que Deus
faria espiritualmente pela igreja, mas seria literalmente cumprida pelo próprio
Israel (principalmente no milênio). Por exemplo, a promessa da terra que um dia
Deus vai restaurar plenamente Israel à Palestina. Em contraste, os
não-dispensacionalistas tipicamente vêem a promessa da terra como pretendida
por Deus para profetizar, na forma obscura do antigo pacto, a grande realidade
de que Ele um dia faria da igreja inteira, judeus, gregos e gentios herdeiros
da promessa do reino. Destarte, o dispensacionalista crê em dois povos de Deus distintos.
TEOLOGIA
BÍBLICA PACTUAL
A Teologia Bíblica como disciplina
acadêmica tem o seu campo próprio de ação, podendo ser resumido como uma
divisa do conhecimento teológico que trata da revelação estudada dentro do seu
processo histórico.
Como o assunto da teologia bíblica é
o processo da revelação divina, muitos estudiosos têm procurado definir um tema
central, unificador, que seja um guia norteador no estudo da mesma. No presente
estudo adotaremos como centro unificador três temas integrados: o Reino, o
Pacto e o Mediador, como exposto e defendido por Van Groningen no seu livro
“Criação e Consumação.” Os limites da nossa reflexão se estenderão,
resumidamente, de Adão até Moisés.
I
– O MITTE
Não se
discute o fato de que as Escrituras revelam Deus e Jesus Cristo. Mas elas
revelam mais. Elas revelam Deus como o Criador Triúno, Governador e Provedor do
seu reino. Revelam que Deus é um Senhor pactual e que Jesus Cristo é o mediador
do pacto e, conseqüentemente, o agente do reino. O cordão dourado que unifica e
integra toda a mensagem escriturística, e que por essa razão é o mitte, consiste de três cordões
inegavelmente dominantes: o reino, o pacto e o mediador. Todos os muitos
ensinos e referências nas Escrituras são integralmente relacionados ou são
aspectos essenciais destes três cordões.
O texto bíblico expõe, consistentemente, estes três cordões diante de
nós. Jesus Cristo, quando estava na terra, resumiu a causa a favor deste
complexo triplo de conceitos quando pregou o reino e se declarou o mediador do
pacto. Estes três conceitos inter-relacionados são explicados no Novo
Testamento, mas são revelados e consistentemente desenvolvidos no Antigo
Testamento. Atuam em toda a Bíblia como o meio básico revelador, administrativo
e consumador dentro do plano do Deus Triúno, para o estabelecimento, a
manutenção, a redenção e a consumação de toda sua criação.
O conceito de reino é inclusivo e
abrange tudo. Quatro aspectos integrais são fatores essenciais. O reino, em primeiro
lugar, implica na presença e envolvimento do Rei. O Deus Triúno é o Rei; como
tal, ele é o Criador Soberano, Governador, Mantenedor, Juiz e Consumador. Jesus
Cristo recebeu a posição monárquica e atua como o redentor. Quando a tarefa
redentora estiver completa, ele colocará a monarquia nas mãos do Pai (1 Co
15.24). Segundo, o reino inclui o domínio. O domínio é o que foi criado,
trazido à existência, e governado. Isto inclui todo o cosmos, com suas
dimensões inorgânicas, orgânicas, morais e espirituais. Terceiro, o reino
inclui o trono, o assento do poder, ou o centro do qual o rei atua.
Conseqüentemente, o tabernáculo, o templo, o palácio e Jerusalém são símbolos e
tipos de um centro celestial. Finalmente, o reino inclui a atividade efetiva de
domínio. Estão incluídos o exercício do poder e autoridade da realeza, as
atividades judiciais, e a execução destes.
É fácil entender a razão pela qual alguns estudiosos têm postulado o
reino como o Mitte das Escrituras. Em
certo sentido, pode se dizer que o reino é o tema que inclui tudo, que unifica,
porque o pacto e o mediador são aspectos dominantes dele. Esses temas são tão
importantes que devem ser realçados e, conseqüentemente, descritos como sendo
dois dos três cordões que formam o cordão dourado.
O reino não existe nem atua sem o pacto, pois o pacto, para ser e atuar
como pacto, tem seu instrumento, o mediador. Estes três conceitos centrais são
representados de várias formas através das Escrituras. Foram utilizados
símbolos e tipos. Por exemplo, o reino israelita é um símbolo e tipo do reino
eterno de Deus; o casamento é um símbolo do pacto. Reis, sacerdotes, profetas,
os sacrifícios do tabernáculo, outros objetos e eventos simbolizam o mediador.
A idéia de um pacto é citada
repetidamente tanto no Antigo como no Novo Testamento. Deve ficar claramente
entendido que o termo pode ter várias denotações específicas como, por exemplo,
um acordo entre reis (1 Re 5.12) ou entre marido e mulher (Ml 2.14).
Nesta conjuntura, poderá ser útil um breve sumário para mostrar ao que
pacto se refere em Gênesis 1-11.21. O pacto deve ser considerado, antes de tudo,
um relacionamento entre duas partes. Este relacionamento foi instituído para
ser um vínculo sólido e duradouro. Ele foi um vínculo sólido de vida e amor
entre Yahweh e a humanidade; isto é, o vínculo juntou as duas partes vivas em
que a vida foi assegurada e o amor seria aspecto essencial desse vínculo vivo.
Este vínculo de vida e amor incluía promessas, certezas, obrigações (mandatos,
leis), e advertências (maldições), que atuavam para preservar o vínculo e
serviam para fazer com que fosse, de fato, um relacionamento eficaz. O vínculo
foi validado e assegurado através da palavra solene (ou juramento) de Yahweh,
que é imutável. Para a humanidade envolvida no pacto com Yahweh, um sinal foi
incluído, o arco-íris, da mesma forma como o sábado havia sido na conclusão das
atividades criadoras.
O pacto que
Yahweh estabeleceu com Adão e Noé tinha uma referência mais ampla do que o
aspecto pessoal. O pacto da criação incluía o relacionamento de Yahweh com a
criação e, particularmente, o relacionamento de Adão e Eva, e de Noé e sua
descendência com a criação. Esta dimensão mais ampla e inclusiva do vínculo
fez, eficazmente, com que o pacto fosse também um meio de administração. Adão,
Noé e suas descendências, em seus papéis de vice-gerentes, foram feitos
administradores, eles tinham que dominar, cultivar, estabelecer famílias, ser
frutíferos e encher a terra. Depois que o pecado foi introduzido, o
relacionamento de amor e vida dentro do palco criacional foi restaurado e
confirmado por Yahweh; ele acrescentou ao relacionamento e sua administração a
dimensão redentora. A redenção deveria ser executada e se tornar uma realidade
assegurada através do cumprimento das obrigações que Yahweh havia estipulado e
através das promessas e maldições que havia enunciado.
O terceiro cordão do cordão dourado é o mediador
pactual; os termos "agente" e "servo" servem bem em certos
contextos. O âmago do pacto centraliza-se no relacionamento entre Yahweh e os
portadores de sua imagem, o primeiro Adão e sua descendência e o segundo
portador da imagem, o Messias (Cl 1.15; Hb 1.3). O mediador recebeu os mandatos
e as responsabilidades de cumprir a vontade, o plano, a meta e os propósitos de
Yahweh, que iniciou e manteve seu pacto. Desta forma, os primeiros mediadores,
Adão, Eva e posteridade, foram chamados para serem administradores pactuais sob
Yahweh, dentro do reino cósmico. Quando Adão e Eva desobedeceram e violaram seu
relacionamento de vida e amor, Yahweh proclamou imediatamente que a semente da
mulher deveria ser o administrador do pacto da redenção também. Assim como Noé
serviu como um mediador do pacto e, dessa forma, como um precursor e tipo de
Cristo, assim também através da era do Antigo Testamento, outros serviram,
incluindo Abraão, José, Moisés, Josué, os juizes, os profetas, sacerdotes e
reis. Em um sentido real, todos os descendentes de Noé e Abraão foram chamados
para ser mediadores, em particular a nação de Israel. Todos estes precursores e
tipos humanos falharam, alguns drasticamente. Outros serviram de uma forma
aceitável a despeito de suas fraquezas e pecados.
Concluindo esta discussão sobre o Mitte,
entendendo que o cordão dourado, que unifica e integra a mensagem bíblica e,
conseqüentemente, também a teologia bíblica, consiste do reino de Yahweh e do
pacto que ele estabeleceu com seus mediadores que portam sua imagem. Todos os
aspectos da mensagem bíblica estão relacionados a este cordão dourado, e o
sentido e significado deles são estabelecidos através de seu envolvimento ou
contribuição para a explicação do reino, do pacto e do mediador.
II – O CRIADOR E A CRIAÇÃO
Apesar da ausência dos termos Rei e
Reino no relato da Criação (Gn.1,2), a idéia de Reino está presente aqui e em
toda a Escritura, principalmente no período da monarquia em Israel (Sl.103.19).
Evidentemente elas não apresentam nenhuma definição absoluta para Reino de
Deus. Mas se considerarmos o conceito mais básico de Reino, o que implicaria na
presença de um Rei que governa soberano seu Reino, então não há dúvidas de que
Deus Yahweh é o Rei absoluto e soberano sobre todas as coisas e nada escapa do
seu domínio.
Na criação, mais do que em qualquer
outro registro bíblico, é possível perceber Deus Yahweh usando suas prerrogativas
reais. Em primeiro lugar como soberano absoluto Deus Yahweh criou, não
por constrangimento ou necessidade, mas por livre vontade. Há muitos conceitos
correlatos que poderíamos usar para identificarmos a motivação de Yahweh para
criar, sendo que, aquela mais inclusiva é a de que Ele criou para revelar sua
glória com vistas ao seu próprio deleite e adoração das suas criaturas
(Ef.1.11).
Em segundo lugar, o resultado
da ação criadora do Rei foi o Reino Cósmico. A diversidade dos elementos
presentes neste reino e a maneira como eles se relacionam harmoniosamente
revelam a sabedoria de Yahweh. Deve-se lembrar que, ao criar este reino
cósmico, Ele iniciou um processo, o que implica num percurso linear, numa
consumação gloriosa onde o cosmos é o palco para Deus Yahweh se revelar cada
vez mais glorioso. Nesse particular devemos notar que Ele não apenas o criou,
mas o mantém e dirige de acordo com seus planos e projetos reais.
Em terceiro lugar este reino
cósmico foi criado para funcionar a partir de leis e modelos implantados pelo
próprio Rei. Entre estes podemos destacar a maneira como este Rei decidiu
relacionar-se com seus súditos: o pacto. Introduzido divinamente pela atividade
monergística e unilateral, mas seguido pela responsabilidade do homem em obedecer
aos mandatos e as ordenanças presentes na estrutura da criação do reino
cósmico.
O primeiro é o mandato cultural.
Nele o homem é convocado a se relacionar com os cosmos e exercer o papel da
sujeição e domínio (Gn.1.28), guarda e cultivo (Gn.1.17). Extrair o máximo do
cosmos para produzir, por meio das capacidades que foi dotado, o habitat em que
a vida humana deveria se desenvolver. O segundo é o mandato social. Ao
criar homem e mulher, Deus Yahweh ordenou como deveria ser o relacionamento
entre eles, forneceu princípios para o convívio social e determinou-lhes a
fecundidade. O terceiro é o mandato espiritual. Nele, homem e mulher,
deveriam responder ao Criador num relacionamento de vida e amor. Para tanto
eles foram criados com suficientes condições (Imago Dei) para exercer
este mandato. Desfrutando dos benefícios da comunhão com o criador e alertados
quanto às implicações da quebra deste vínculo relacional com aquele que é
Espírito (Gn.2.16,17).
III – OS VICE-GERENTES E O REINO
PARASITA
Após analise no registro da criação
de Adão e Eva (Gn.1.26-30; 2.7-25), fica claro sua distinção em comparação com
o restante da criação. Quanto a eles é mencionada uma deliberação específica
precedendo sua criação. São designados como Imagem e Semelhança do Criador, o
que implica numa relação-pactual de vida e amor com privilégios e obrigações.
Além do fato de terem recebido comissionamento reais, tendo sido feitos
vice-gerentes do Rei na criação para sujeitá-la e dominá-la.
Tendo sido criados no jardim chamado
Édem, gozavam de todos os privilégios e obrigações dispostos pelo Criador.
Entre as obrigações estava à proibição de não comerem do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal. Nesta ordem residia o teste de obediência do
mandato espiritual. Desobedecer traria a ruína e a morte a eles e sua
posteridade, o que de fato veio a acontecer.
Não pode passar despercebido o
agente da tentação: a serpente, Satanás. Ainda que a sua origem não seja
discutida no texto, ele é apresentado como aquele por intermédio de quem
penetrou na criação de Yahweh o mal e o pecado. Por conta disso, um outro reino
tomou forma e se instalou no reino de Yahweh: o reino parasita de Satanás. É
parasita porque não tem capacidade de existir por si próprio, mas depende de
outro organismo vivo, o reino de Yahweh. Dessa maneira este reino penetrou na
criação de Deus em todas as suas dimensões, principalmente no coração dos
homens.
Cada um dos envolvidos na cena da
tentação no Éden recebeu sua sentença condenatória. Todavia, a maldição não finalizou
ao reino de Yahweh, por causa da excelência das suas virtudes, ele mitigou a
maldição e ainda anunciou seu programa redentivo, dando inicio assim ao pacto
da redenção.
IV – O REINO, O PACTO E O MEDIADOR:
DE ADÃO A MOISÉS
3.1 Em Adão
Deus Yahweh havia garantido a
continuidade da raça humana quando mitigou as maldições do pacto. Mas ele foi
além quando pré-anunciou o Evangelho: a boa notícia da restauração do seu reino
cósmico dos efeitos da entrada do mal e do pecado. Um mediador que viria da semente
da mulher foi anunciado como aquele que iria destruir o reino parasita. Ao
mesmo tempo proclamou que, durante toda a história iria se desenvolver uma
antítese: a semente pactual, estabelecida pela graça de Yahweh numa relação de
vida e amor; e a semente de Satanás, homens e mulheres a serviço do reino
parasita.
3.2 Em Noé
(Gn.5.1-11.9)
Nos dias de Noé as condições morais,
sociais e espirituais revelavam claramente a existência da antítese entre o
Reino de Yahweh e o Reino Parasita de Satanás. O mandato cultural era cumprido
por ambos, enquanto no social o reino parasita deixava marcas indeléveis, de
maneira que o mandato espiritual era ignorado pela maioria que estava imersa
nas dobras e recantos do reino parasita de Satanás.
Deus Yahweh usando suas prerrogativas
reais anuncia o julgamento, a maldição do pacto, evidenciando que a despeito da
atuação do reino parasita, o reino cósmico de Yahweh mantinha-se sobre seu
controle e governo soberano. Noé, gracioso aos olhos de Yahweh, é usado por Ele
para ser um agente pactual, um mediador. Através da arca, Deus Yahweh
preservaria e continuaria a vida, administrando concomitantemente o pacto
criacional e redentivo. Por meio desta ação manteria o Pacto e dava
prosseguimento ao seu projeto. O reino parasita continuaria, como pode ser
observado na vida dos filhos de Noé, mas a linhagem pactual teria continuidade
na descendência de Sem, dela sairia o patriarca Abraão.
3.2 Em Abraão
(Gn.12-25)
A eleição e chamado de Abraão
indicam claramente a soberania de Yahweh, Rei cósmico. Em sua intenção de levar
adiante o pacto criacional e redentivo, por livre vontade escolhe um homem que
vivia no contexto da atuação do reino parasita. A vocação de Abraão sinaliza a
própria natureza pactual do relacionamento de Yahweh com seus súditos,
monergista e unilateral na sua iniciativa.
Os detalhes da chamada de Abraão
(Gn.12.1-3) dão clara compreensão dos três temas integrados: Reino, Pacto e
Mediador. É possível perceber a intenção régia de Yahweh na formação visível e
nacional de um povo do Pacto – descendentes de Abraão. Por meio deles a
redenção alcançaria níveis universais. Também é evidente que Abraão estava
sendo colocado como uma pessoa pactual, um mediador.
A resposta de Abraão, seu
desprendimento em obedecer prontamente, a circuncisão e os demais eventos da
sua vida apontam o vínculo de vida e amor estabelecido na sua relação com
Yahweh. Tornando-se um modelo de fé para as demais gerações na linhagem pactual
em antítese com o reino parasita.
3.3 Em
Isaque, Jacó, Judá e José (Gn.26.1-50.26)
Em Isaque temos o cumprimento da
promessa feita a Abraão. Seu nascimento excepcional, devido a esterilidade de
Sara, fornecem claras evidências do poder régio de Yahweh sobre as leis do seu
reino cósmico. Na ocasião do conflito de Sara com sua serva Hagar e seu filho
Ismael, fica exposto que Isaque é o pilar sustentador que continuaria a
linhagem pactual.
Em Jacó observamos que mais uma vez
a soberania de Yahweh fica em relevo, quando ele, Jacó, é escolhido antes do
nascimento para engrossar as fileiras dos agentes pactuais de Yahweh. A
influência do reino parasita também são destacadas no caráter e personalidade
de Jacó, no entanto, seu encontro transformador com Yahweh produz o vínculo de
vida e amor e o modifica radicalmente, de maneira que seu novo nome, Israel,
passará a identificar perpetuamente o povo da Aliança.
Em José, Deus Yahweh exerce seu
controle sobre o destino das pessoas. Esse controle ultrapassa os limites
individuais, de maneira que o curso das nações está condicionado ao controle
providencial de Yahweh. Providência que age para o benefício do povo do pacto,
como pode ser observado na qualidade mediatária de José. É no final do registro
sobre José que encontramos mais uma vez Jacó na qualidade de mediador e porta
voz de Yahweh (Gn.48). E na sua mensagem profética Judá é apresentado como o
personagem régio, na sua linhagem está garantida, mais uma vez, a semente da
mulher que iria esmagar a cabeça da serpente.
3.4 Em Moisés
(Ex.1.1-18.27)
Muito tempo havia se passado e o
povo do pacto estava preservado. Todavia, é no ambiente egípcio que os poderes
antitéticos do reino parasita assumem contornos excepcionais. Faraó, agente do
reino parasita de Satanás, percebendo que as crianças israelitas nasciam
vigorosas e o número crescia cada vez mais, submete o povo a serviços pesados e
providencia que o crescimento da prole israelense seja interrompido através da
morte das crianças do sexo masculino.
É nesse contexto que Deus Yahweh
lembra-se de todas as promessas pactuais, depois de uma série de acontecimentos
preparatórios, surge o agente pactual de Yahweh, Moisés. O reino parasita é
desafiado e Yahweh, através do seu agente, usa seus poderes régios e humilha-o,
juntamente com seus deuses, através de diversas pragas. O povo goza da redenção
através do sangue, o cordeiro é o substituto dos primogênitos israelenses e
dessa maneira a realeza de Yahweh e o pacto criacional e redentivo tem curso
assegurado.
CONCLUSÃO
Dissemos que a teologia bíblica
versa sobre o estudo da revelação em seu processo histórico. Nesse processo
três temas integrados estão em relevo: o reino, o pacto e o mediador. É nesse
cordão de três fios que Deus vai preservando e mantendo o pacto criacional e
redentivo. A despeito da presença do reino parasita de Satanás, os propósitos
de Yahweh seguem livre curso, assegurado pela sua soberania e guiado por sua
sabedoria. Dessa maneira, o cosmos se torna palco para a revelação de Jesus
Cristo e, por conseguinte, a gloriosa consumação de todas as coisas.
REFERÊNCIAS E NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
GRONINGEN G. V. Criação e Consumação. São Paulo:
Cultura Cristã, 2002. Vol. 1.
________________Revelação
Messiânica no Velho Testamento.Campinas: LPC, 1995.
________________Família
da Aliança. São Paulo: Cultura Cristã, 1997
MEISTER, M. F. Fides
Reformata 1:1 (1996), 5-10, e Fides
Reformata 2:1 (1997), 29-38.
ROBERTSON, P. O. O
Cristo dos Pactos. Campinas: LPC, 1997.
O substantivo pacto significa, segundo o Novo
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, "ajuste",
"convenção" ou "contrato". Estes três substantivos são
também usados para definir o significado do substantivo aliança. Diferentes
versões da Bíblia em português usam os substantivos pacto, aliança, acordo e
concerto para traduzir o substantivo hebraico berith que aparece cerca de 290
vezes no Antigo Testamento. Para todos esses sinônimos a idéia básica que
encontramos é a de união entre duas partes, um pacto ou acordo bilateral. No
entanto, até mesmo a etimologia do substantivo é grandemente discutida. Basta
passar os olhos por alguns dicionários de teologia ou livros que tratem
especificamente do assunto para verificar que há entre os estudiosos grande
discordância. As posições mais defendidas são: (1) a de que berith é derivada
do assírio birtu, que significa "laço", "vínculo"; (2) a de
que o substantivo tem origem na raiz de barah, "comer," que aparece
poucas vezes no Antigo Testamento (2 Sm 3.35; 12.17; 13.5; 13.6; 13.10; Lm
4.10), e está relacionado com a cerimônia que selava um acordo ou relacionamento
entre partes; (3) a de que o substantivo está ligado à preposição bein
"entre."De todas estas a primeira posição é a mais aceita entre os
estudiosos do Antigo Testamento.
Reformed Dogmatics – Volume 1, Herman Hoeksema,
Reformed Free Publishing Association, pgs. 461-2.
A história da doutrina do pacto de obras é longa e
controvertida. O reconhecimento de um pacto antes da queda já aparece nos escritos
de Agostinho, o bispo de Hipona, no quarto século: "O primeiro pacto, que
foi feito com o primeiro homem, é este: No dia em que dela comerdes, certamente
morrerás. " Agostinho, discutindo a
questão dos pactos bíblicos, afirma que "muitas coisas são chamadas de
pactos de Deus além daqueles dois grandes, o novo e o velho..." Porém,
ainda que reconhecida desde cedo por teólogos como Agostinho, a doutrina do
pacto de obras só foi desenvolvida bem mais tarde, pelos reformadores do século
XVI. A nomenclatura pacto de obras, adotada pela CFW, não foi consensualmente
aceita pelos reformadores e primeiros reformados. Uma nomenclatura diversa
surgiu logo no princípio (ex: pacto da criação). Mais adiante, na elaboração do
conceito bíblico de pacto, a questão do nome será considerada. Assim como a
questão do nome da doutrina foi controvertida no princípio, a sua origem como
sistema teológico é motivo de controvérsia nos dias atuais.
Outras evidências levantadas para o pacto da criação
são os textos de Oséias 6.7; Jeremias 33.20, 25, e Gênesis 6.18. Sem muitos
detalhes exegéticos, exponho abaixo as razões principais porque se pensa que
esses textos falam de um pacto da criação. Oséias 6.7 fala da transgressão de
Adão contra o pacto: "Mas eles transgrediram a aliança, como Adão; eles se
portaram aleivosamente contra mim." Uma leitura simples e direta do texto
reflete que havia um pacto entre Deus e Adão, portanto, um pacto pré-queda, que
pode ser tido como o pacto da criação. Essa leitura reflete o pressuposto de
que os escritores bíblicos tinham conhecimento de outros escritos bíblicos,
anteriores e contemporâneos. Oséias estaria, portanto, falando do pacto da
criação. Para alguns estudiosos, entretanto, isto não é admissível,
considerando vários pressupostos diferentes do exposto acima. Eles adotam uma
leitura diferente do texto, como a Bíblia na Linguagem de Hoje "Mas na
cidade de Adã o meu povo quebrou a aliança que fiz com ele e ali foi infiel a
mim." De fato, existe uma cidade bíblica com esse nome (Js 3.16). No
entanto, para que o texto de Oséias 6.7 seja traduzido como a Bíblia na
Linguagem de Hoje sugere, é necessário que se faça uma emenda do texto
hebraico, substituindo a preposição "como" por "em," sem
que haja qualquer evidência da necessidade dessa troca. Ainda mais, não se sabe
de um pecado cometido pelo povo de Israel ao passar por aquele lugar que fosse
registrado e então mencionado pelo profeta. Assim, esta proposta de leitura não
acha qualquer argumento sustentável. Outra possível leitura provêm da tradução
grega do Antigo Testamento, a Septuaginta (LXX), que traduz a expressão
"como Adão" por "como homens." Nesse caso, estaria
implícito um pacto entre Deus e a humanidade.