Senhores Atenienses, Ouçam!

Senhores Atenienses, Ouçam!
Senhores Atenienses, Ouçam!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

AMEMO-NOS E VALIDEMO-NOS


O apóstolo Jõao fala em amor. O administrador Kanitz em validação. João insiste na obrigatoriedade do amor. “Amemo-nos, ordena cinco vezes o apóstolo em sua primeira epístola ( 3.11,23; 4.7,11,12).

Kanitz insiste na obrigatoriedade da validação: “Validar alguém seria confirmar que essa pessoa existe, que ela é real, verdadeira, que ela tem valor”. Para o administrador, o problema humano número um é a insegurança. Para reduzir essa insegurança, precisamos ser validados pelos outros constantemente.

Validação não é mero elogio e muito menos badalação. Por falta de validação criamos um mundo consumista, onde valoriza o ter e não o ser. Por falta de validação, criamos um mundo onde todos querem mostrar-se ou dominar os outros em busca de poder.

A validação mútua faz-se por meio de um elogio certo, um sorriso certo, os parabéns na hora certa, uma salva de palmas, um beijo, um dedão para cima, um valeu cara, VALEU...

A validação não existe nem funciona sem o amemo-nos de João. O amor não existe nem funciona sem o validemo-nos do anglicano Kanitz.

Rev. Jeferson Roberto

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE


CARTA DE PRINCÍPIOS 2011
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE EXPRESSÃO

INTRODUÇÃO

Os conceitos de liberdade de consciência e de expressão têm recebido crescente atenção pública em nosso país em anos recentes. Entre as diversas causas, estão o crescimento da pluralidade cultural, da diversidade religiosa e do relativismo como fatores integrantes da sociedade brasileira. De que maneira as pessoas podem ter e expressar suas convicções em um ambiente onde outros indivíduos pensam e se comportam de maneira diversa dessas convicções? Essa questão também faz parte do cotidiano universitário, especialmente em instituições confessionais como o Mackenzie, que primam por princípios éticos ao mesmo tempo em que sustentam a autonomia universitária.

O QUE É LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE EXPRESSÃO
Acreditar no que quiser é um direito intrínseco a cada ser humano. A consciência é foro íntimo, inviolável, sobre o qual outros não podem legislar. Faz parte da nossa humanidade termos nossas próprias ideias, convicções e crenças. E é daqui que procede a outra liberdade, a de expressão, que consiste no direito de alguém declarar o que acredita e os motivos pelos quais acredita de determinada forma e não de outra. Nesse direito está implícito o que chamamos de “contraditório”, que é a liberdade de análise e posicionamento contrário às expressões ou manifestações de outras pessoas em qualquer área da vida. A liberdade de consciência diz respeito ao que cremos, interiormente. Já a liberdade de expressão é a manifestação externa dessas crenças.

OS FUNDAMENTOS DA LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE EXPRESSÃO
O direito individual de pensar livremente e de expressar tais pensamentos é garantido em todas as democracias do mundo ocidental.

A Constituição
No Brasil, a liberdade de consciência e de expressão do pensamento é garantida pela Constituição em vigor. Sua origem se encontra no caput do Artigo 5º, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, sendo assegurada a inviolabilidade dessa condição de igualdade. Se todos são iguais, todos podem expressar suas ideias, pensamentos e crenças, desde que os direitos dos outros sejam respeitados.

Ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição diz no Artigo 5º:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

A liberdade de expressão religiosa é decorrente da liberdade de consciência e consiste no direito das pessoas de manifestarem suas crenças ou descrenças. Aqui se incluem adeptos das religiões, do ateísmo e do agnosticismo. Por ter origem na consciência, a liberdade de expressão religiosa inclui concepções morais, éticas e comportamentais, que são desenvolvimentos da crença individual. A separação entre Igreja e Estado no Brasil significa tão somente que nosso país não adota e nem protege uma ou mais religiões. O Estado é “laico”, mas, não sendo antirreligioso, ele garante o direito de seus cidadãos professarem publicamente e praticarem a religião que quiserem, assegurando-lhes que não serão discriminados por isso, conforme o mesmo Artigo 5º:

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política...

Direitos Humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 também se preocupou em resguardar a liberdade de consciência e de expressão, particularmente a expressão religiosa. O artigo 18 diz: Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou particular. Entendemos que esse amplo reconhecimento das liberdades individuais tem fundamento no fato, nem sempre considerado, de que o ser humano foi criado por Deus.

A imagem de Deus
Do ponto de vista da fé cristã, a liberdade de consciência decorre fundamentalmente do fato de termos sido criados por Deus como seres morais livres. É uma das coisas incluídas na “imagem e semelhança de Deus” com que fomos criados, de acordo com o relato de Gênesis 1.26-27: Então disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. O homem recebeu, por direito de criação, a capacidade de julgar entre o certo e o errado e escolher entre os dois. Ele podia livremente ponderar, analisar e, então, escolher. O fato de que ele teria de arcar com as consequências de suas escolhas diante do Criador não anulava, todavia, seu direito de fazê-las e defendê-las. É nisto que reside o que chamamos de liberdade de consciência e de expressão. Como um ser criado, o homem responde diretamente ao Criador pelo uso dessas liberdades. Ousamos dizer que uma das influências decisivas para que essas liberdades fossem reconhecidas no mundo ocidental veio da Reforma Protestante do século XVI. Os cristãos enfatizaram a necessidade da separação entre a Igreja e o Estado, destacaram o fato de que cada cristão tem sua consciência cativa somente a Deus e defenderam o sacerdócio universal de todos os cristãos. Um exemplo dos esforços destes cristãos para garantir a liberdade de expressão é o apelo de John Milton ao Parlamento Inglês, em 1644, em defesa da liberdade de imprensa.1

OS LIMITES DA MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO
Sociedades plurais em países em que há separação entre Igreja e Estado sempre terão de enfrentar o dilema entre a liberdade de manifestação do pensamento e os direitos individuais. Se por um lado as leis brasileiras nos garantem a liberdade de expressão, por outro, elas também preservam a honra e a imagem das pessoas. Não se pode denegrir uma determinada pessoa em nome da liberdade de expressão.

Falar e assumir
Conforme reza a Constituição, uma das condições para que se manifeste livremente o pensamento no Brasil é que a pessoa se identifique e assuma o que disse ou escreveu. O anonimato anula a validade da expressão, ainda que ela contenha méritos, pois sugere que o autor não tem dignidade e nobreza. Também denota que essa manifestação não vem acompanhada da necessária responsabilidade pelo ato praticado.

Contradizer e respeitar
Em sociedades multiculturais e plurais, pensamentos, crenças e convicções que são livremente expressos podem contrariar ou contraditar outros pensamentos, crenças e convicções quanto aos valores morais, crenças religiosas e preferências pessoais. Tais discordâncias, todavia, não podem ser vistas como formas de se denegrir a honra e a imagem dos indivíduos de quem se discorda. Se assim fosse, seria impossível a discussão de ideias e a apresentação do contraditório, especialmente no ambiente da Universidade. De acordo com os princípios da fé cristã, o amor a Deus e ao próximo são os maiores deveres de cada ser humano. Amar ao próximo significa respeitar o nome, os bens, a autoridade, a família, a integridade e a reputação das pessoas, independentemente das convicções religiosas, políticas e pessoais delas. Os cristãos podem discordar das pessoas e ainda assim manifestar apreço e respeito por elas. Quando cristãos deixam de amar as pessoas ao seu redor, estão violando um dos preceitos mais conhecidos de Jesus Cristo, que é amar ao próximo como a si mesmo. Os cristãos, na verdade, devem ir além e amar inclusive os seus inimigos, conforme o próprio Jesus ensinou (Mateus 5.44).

Livre mas não neutra
Em tudo isso, há outro elemento que não pode ser ignorado, o fato de que o ser humano, usando suas liberdades acima descritas, resolveu tornar-se independente de Deus e viver uma vida autônoma. O livro de Gênesis (3.1-24) registra esse momento, que na teologia cristã recebe o nome de "Queda", termo que indica que essa busca de autonomia implicou em uma caída daquele estado original de liberdade de consciência e expressão. Não que o homem tenha perdido essas liberdades – ele ainda as mantém. Só que tanto a sua consciência quanto a sua capacidade de julgar e escolher entre o bem e o mal, tendo abandonado a Deus como referencial, são inclinadas ao mal, ao erro, ao egoísmo. E como decorrência, sua expressão, embora livre, reflete essa tendência ao mal. Uma das manifestações do impacto da Queda na liberdade humana é a tendência de se procurar suprimir a liberdade dos que discordam de nós. Os que professam a fé cristã devem reconhecer que todas as pessoas, inclusive aquelas que não acreditam em Deus e que têm práticas contrárias à ética cristã, têm o direito fundamental de pensar e acreditar no que quiserem e de viver de acordo com suas crenças. Os cristãos entendem também que se manifestar contrariamente ao que pensam e fazem essas pessoas não é incitamento ao ódio, mas o exercício desse mesmo direito fundamental. Aqui citamos o dito de Voltaire, "não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo."2 Essa frase fala tanto do direito que temos de discordar dos outros quanto do direito que os outros têm de discordar de nós, direitos pelos quais deveríamos estar dispostos a lutar, uma vez que, perdidos, deixam a todos amordaçados.

LIBERDADE, RESPONSABILIDADE E CIDADANIA
Como Universidade confessional, o Mackenzie busca, conforme seu Estatuto, "a adoção de um Código de Ética baseado nos ditames da consciência e do bem, que reflitam os valores morais exarados nas Escrituras Sagradas, voltados para exercício crítico da cidadania" (Artigo 3º). Os termos do artigo citado frisam as bases da visão ética dessa Escola em prol da preservação da dignidade do homem: a iluminação pela Palavra de Deus e a consideração da consciência para o exercício livre de sua manifestação na sociedade. Ao mesmo tempo, o Mackenzie também respeita a consciência de cada um de seus alunos, como diz o Estatuto, "A assistência espiritual à comunidade universitária, respeitada a consciência de cada um, é proporcionada pela Capelania Universitária, em conformidade com a natureza confessional presbiteriana" (Estatuto, Artigo 67). Liberdade de consciência e de expressão são privilégios do ser humano por direito de criação. Jamais podemos abrir mão deles sob risco de diminuirmos nossa humanidade e a imagem de Deus em nós.

__________________
1MILTON, John, Areopagitica: Discurso pela Liberdade de Imprensa ao Parlamento. Editora Topbooks, 1999. Rio de Janeiro, RJ.
2Voltaire (François Marie Arouet, 1694-1778), um dos mais famosos filósofos do Iluminismo, ficou conhecido por sua batalha incessante em prol das liberdades civis, especialmente da liberdade religiosa.

Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes
Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Agradecemos a todos que colaboraram na confecção desta Carta de Princípios.


                                                     

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

EPISTEMOLOGIA REFORMADA E O TESTEMUNHO DO ESPÍRITO SANTO

Alvin Carl Plantinga é um filósofo norte-americano da Universidade de Notre Dame conhecido por seu trabalho em epistemologia, metafísica e filosofia da religião. Plantinga foi citado como o "principal filósofo protestante ortodoxo dos EUA" pela revista Time, sendo retratado como figura central na "revolução silenciosa" acerca da respeitabilidade da crença em Deus entre filósofos acadêmicos. [Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alvin_Plantinga]

WILLIAM LANE CRAIG

PERGUNTA 1
Caro Dr. Craig,

Eu sou membro de um fórum de discussões sobre apologética e um tópico foi publicado sobre sua opinião sobre fatos e evidências. O tópico se referia a uma entrevista em que você participou aqui: “Lidando com dúvidas sobre o Cristianismo”. O título da discussão feita pelos céticos foi "W. L. Craig diz que as evidências não são importantes quando comparadas à fé".

Agora, eu assisti a entrevista e eu não achei que você quis dizer isso. Meu entendimento é que você estava promovendo a idéia de que nem todas as perguntas sobre a nossa fé podem ser respondidas e que não devemos perder o ânimo a cada objeção. Eu não achei que foi um convite para negar uma forte evidência de que nossa fé é falsa em favor do Espírito Santo. Os cépticos não têm aceitado a minha interpretação da entrevista, então eu disse que lhe pediria para definir melhor o que você quis dizer. Dr. Craig, você acha que uma forte evidência deve ser ignorada se ela mostra que a nossa fé é provavelmente falsa? (Eu acho que sei a resposta, mas eu vou deixar você esclarecer).

PERGUNTA 2

Esta é uma pergunta sobre epistemologia reformada. Estou quase terminando o livro de Plantinga “Warranted Christian Belief” (Fé Cristã Justificada), e eu acho que o modelo de Plantinga, ou algo muito próximo a ele, é a epistemologia mais biblicamente fiel e exata. No entanto, uma questão ainda paira no fundo: Para Plantinga, existe absolutamente nenhuma circunstância, hipotética ou real, em que um crente seria irracional em manter a fé cristã? As evidências não poderiam se acumular de forma que ter fé em Deus se tornaria irracional, de forma semelhante a eu ter que abrir mão de uma memória se evidências suficientes puderem mostrar que ela é provavelmente falha? Não seria o caso de que uma crença básica inicial em Deus ou no evangelho cristão deveria ser pelo menos sustentada por provas ou argumentos uma vez que, em face de um invalidador potencial, o foco sai da crença básica e passa para o invalidador em potencial – o qual poderia então se tornar real? Ou será que Plantinga argumenta que o testemunho do Espírito é um invalidador intrínseco basicamente contra qualquer objeção? E se ele diria isso, então não é o caso de que um invalidador bem sucedido é, em princípio, impossível? Obrigado, Kyle.

RESPOSTA
Estou perplexo com a quantidade de incompreensão que existe com relação à chamada Epistemologia Reformada. Eu expliquei meus pontos de vista nos livros Reasonable Faith (Fé Racional - 2008) e Five Views on Apologetics (Cinco Visões sobre Apologética - 2000). Eu suspeito que muitos incrédulos que são antipáticos à crença religiosa simplesmente não tomam o tempo, como você fez, Kyle, para ler as obras de epistemólogos Reformados e realmente lidar com as questões envolvidas. Em vez disso, eles contentam-se com agarrar um par de dizeres e denunciá-los como auto-evidentemente absurdos. Para estabeler o plano de fundo, Plantinga emitiu uma crítica incisiva do que ele chama de“fundacionalismo clássico”, a doutrina de que uma pessoa é racionalmente justificada em acreditar numaproposição como verdadeira se a proposição for ou parte dos fundamentos auto-evidentes e incorrigíveis do conhecimento ou se for estabelecido por uma evidência que, no final, seja baseada em tais fundamentos. De acordo com a chamada “objeção evidencialista à crença religiosa”, uma vez que uma proposição como "Deus existe" não é auto-evidente ou incorrigível, seria irracional acreditar nesta proposição sem que haja evidência de sua veracidade. O que Plantinga mostra, em primeiro lugar, é que a adoção deste tipo de epistemologia reduziria todos nós à irracionalidade, pois a maioria das nossas crenças não podem ser evidencialmente justificadas.

Tomemos, por exemplo, a crença de que o mundo não foi criado há cinco minutos incluindo traços de memória introduzidos, comida em nossos estômagos de refeições que nunca realmente comemos, e outras aparências de idade. Ou a crença de que o mundo externo à nossa volta é real e não uma realidade virtual gerada por computador. Quem já viu um filme como Matrix percebe que a pessoa que vive em uma realidade virtual não tem provas de que não está nesse mundo ilusório. Mas certamente somos racionais em acreditar que o mundo que nos rodeia é real e que existe há mais de cinco minutos, mesmo que não tenhamos nenhuma evidência para isso.

Em segundo lugar, Plantinga mostra que o fundacionalismo clássico refuta a si mesmo. O evidencialista declara que somente as proposições que são auto-evidentes ou incorrigíveis são apropriadamente básicas, ou seja, são parte dos fundamentos do conhecimento. Mas Plantinga pergunta, a proposição "somente as proposições que são auto-evidentes ou incorrigíveis são apropriadamente básicas" é em si apropriadamente básica? Aparentemente não, pois certamente não é auto-evidente ou incorrigível. Portanto, se queremos acreditar racionalmente nessa proposição, devemos ter evidências de que ela é verdadeira. Mas tal evidência não existe. A proposta parece ser apenas uma definição arbitrária—e não muito plausível!

O fundacionalismo clássico é, portanto, fatalmente errado. Muitas das nossas crenças que racionalmente abraçamos e que até mesmo sabemos serem verdadeiras não se baseiam em evidências, mas são apropriadamente básicas para nós, mesmo que não sejam auto-evidentes nem incorrigíveis. Na verdade, o filósofo George Mavrodes certa vez me disse que podemos pensar do nosso sistema de crenças como um arranha-céu, com um grande número de crenças construídas sobre as fundações, enquanto que, na visão de Plantinga, nosso sistema de crenças é mais como um grande lote, vazio, com fundações desconexas correndo nele e com alguns tijolos construídos aqui e ali sobre as fundações. A ilustração é apropriada. Pois, como mostra Plantinga, não só as nossas crenças perceptivas, mas também as crenças de memória e crenças de depoimento, entre outras, são todas apropriadamente básicas. Plantinga salienta que a sua epistemologia não é fideísta. Crenças apropriadamente básicas são parte dos julgamentos da razão, não da fé. Além disso, seu modelo não implica que qualquer crença aleatória pode ser apropriadamente básica. A fim de ser apropriadamente básica, uma crença deve ser baseada em certas circunstâncias. Por exemplo, nas circunstâncias de ter experiências visuais e auditivas de outras pessoas além de mim, eu formo a crença de que existem outras pessoas além de mim. Aparte de tais circunstâncias embasantes, esta crença seria arbitrária e irracional para mim. Minha crença na realidade de outras pessoas não pode ser inferida a partir das evidências, mas pode ser apropriadamente básica para mim em tais circunstâncias.

Agora, Plantinga pergunta, por que as crenças religiosas não podem ser apropriadamente básicas? Boa pergunta! Plantinga desenvolveu um modelo segundo o qual a fé cristã é apropriadamente básica, com relação tanto à racionalidade quanto à justificativa. Plantinga afirma que o modelo fornece uma explicação perfeitamente viável de como crenças cristãs podem ser tanto racionais quanto justificadas de uma forma básica, ou seja, não há nenhuma boa objeção para a sua explicação aparte de um ataque à própria verdade do cristianismo. De fato, ele acha que, se o Cristianismo é verdadeiro, então algo próximo ao seu modelo é muito provavelmente correto. Daqui resulta que, se o não-cristão quiser impugnar a racionalidade da fé cristã, ele deve pôr em questão a verdade do próprio cristianismo.

O modelo de Plantinga envolve fundamentalmente o que é geralmente chamado de “o testemunho interior do Espírito Santo”. Em seu modelo, o Espírito Santo funciona na analogia de uma faculdade cognitiva, produzindo crenças em nós. Eu pessoalmente prefiro pensar no testemunho do Espírito com uma forma de testemunho literal ou então como parte das condições experimentais que servem de fundamento para a crença em Deus e nas grandes verdades do Evangelho. Em ambos os casos Seus julgamentos são apropriadamente básicos.

Eu tenho caracterizado o testemunho do Espírito Santo de Deus como auto-autenticante. Como eu explico em Reasonable Faith (Fé Racional), Com isso quero dizer que a experiência do Espírito Santo é verídica e inconfundível (embora não necessariamente irresistível ou indubitável) para quem a tem; que tal pessoa não precisa de argumentos ou provas complementares a fim de conhecer e saber com certeza que ele está de fato experimentando o Espírito de Deus; que tal experiência não funciona neste caso como uma premissa de qualquer argumento de experiência religiosa para Deus, mas que é a experiência imediata do próprio Deus; que em certos contextos a experiência do Espírito Santo implicará na apreensão de certas verdades da religião cristã, tais como "Deus existe", "Eu estou condenado por Deus", "Eu estou reconciliado com Deus", "Cristo vive em mim", e assim por diante; que tal experiência dá a uma pessoa não só uma garantia subjetiva da verdade do cristianismo, mas também o conhecimento objetivo daquela verdade; e que os argumentos e evidências incompatíveis com essa verdade são derrotados pela experiência do Espírito Santo, para aquele que atende plenamente a ela.

Agora eu tomo como quase óbvio que, se Deus existe, então, é claro, Ele é capaz de dar tal testemunho para pessoas humanas. Deveríamos pensar que um ser onipotente que fez o homem e todas as suas faculdades, que projetou o homem para conhecê-lo, seria incapaz de falar com seres humanos de uma forma tão clara e inconfundível? Assim, penso que Plantinga é inteiramente correto ao afirmar que não há nenhuma sólida objeção para essa epistemologia aparte de uma crítica da veracidade do próprio teísmo cristão. Se o incrédulo pensa o contrário, convido-o a partilhar o seu argumento. Não é suficiente apenas fingir indignação e esbravejar contra a essa visão. Uma pessoa que sabe que o Cristianismo é verdadeiro com base no testemunho do Espírito Santo também pode ter uma sólida apologética que reforçe ou confirme para ela o testemunho do Espírito, mas essa não serve como o meio fundamental como ela sabe que o cristianismo é verdadeiro. Se os argumentos da teologia natural e das evidências Cristãs são bem sucedidos, como eu afirmo que são, então a fé cristã é também justificada por tais argumentos e evidências para a pessoa que lança mão deles, assim como essa pessoa continuaria a ser justificada ao crer na ausência deles. Tal pessoa é duplamente justificada em sua crença cristã, no sentido de que ela goza de duas fontes de justificação. Assim, os argumentos evidenciais a favor do Cristianismo são, a meu ver, suficientes para o conhecimento da veracidade do cristianismo, mas não são necessários para o conhecimento da veracidade do cristianismo.

Agora, a pergunta que vocês dois fizeram diz respeito ao papel dos invalidadores da fé cristã. Crenças apropriadamente básicas podem ser invalidadas, ou seja, elas podem ser derrotadas por outras crenças incompatíveis que alguém possa vir a aceitar. Nesse caso, o indivíduo em questão ou deve vir com um invalidador para o invalidador ou deve abrir mão de algumas de suas crenças, se quiser permanecer racional. Assim, por exemplo, um cristão que encara com o problema do mal é confrontado com um potencial invalidador de sua crença em Deus. A apologética cristã pode ajudar a formular respostas, tais como a Defesa do Livre Arbítrio em resposta ao problema do mal, a fim de derrotar o suposto invalidador. Mas Plantinga também argumenta que, em alguns casos, a crença original pode exceder tanto o seu suposto invalidador em justificativa que ela se torna um invalidador intrínseco do seu suposto invalidador. Ele dá o exemplo de alguém acusado de um crime e contra quem estão todas as provas, mesmo que essa pessoa saiba que é inocente. Nesse caso, essa pessoa não é racionalmente obrigada a abandonar a crença em sua própria inocência e aceitar as evidências de que é culpada. A crença de que ela não cometeu o crime intrinsecamente invalida os invalidadores levantados contra ela pelas evidências. Plantinga faz a aplicação teológica sugerindo que a crença em Deus pode, de maneira similar, intrinsecamente invalidar todos os invalidadores que possam ser levantados contra ela.

Plantinga, que eu saiba, não se compromete claramente com a visão de que o testemunho do Espírito Santo é um invalidador intrínseco do invalidador. Tal tese é independente do modelo apresentado. Mas eu tenho argumentado que o testemunho do Espírito é, de fato, um invalidador intrínseco de quaisquer invalidadores levantados contra ele. Pois, parece-me inconcebível que Deus permitiria que qualquer crente estivesse em uma posição onde ele fosse racionalmente obrigado a cometer apostasia e renunciar a Cristo. Parece-me, pelo contrário, que em tal situação, um Deus amoroso intensificaria o testemunho do Espírito de tal modo que este se torne um invalidador intrínseco dos invalidadores que essa pessoa encara. Agora, pode-se dizer que Deus, de fato, não permitiria que uma pessoa caísse em circunstâncias onde a coisa racional a fazer seria apostatar e virar as costas para Deus, mas que Deus apresentaria evidências suficientes para tal indivíduo, de modo que ele fosse capaz de invalidar por meio de argumentos e evidências o suposto invalidador. Admito que essa visão é possível (como pode alguém que acredita em Conhecimento Médio pensar de maneira diferente?). Mas quando olho para o mundo em que realmente vivemos, tal visão parece-me ingênua. A grande maioria das pessoas no mundo não tem o tempo, a formação, nem recursos para desenvolver uma apologética cristã madura como base de sua fé ou para invalidar os diversos invalidadores que encontram. Tenho sido profundamente comovido com o sofrimento dos cristãos quando viajo para o exterior e vejo as circunstâncias por vezes desesperadas em que eles se encontram.

Na Europa, por exemplo, a cultura universitária é predominantemente secular e até mesmo ateísta. Eu conheci muitos estudantes de teologia, quando morava na Alemanha, cujos professores os tinham exposto a nada mais que crítica bíblica radical e erudição anti-cristã. Estes estudantes mantiveram a fé cristã, apesar das evidências. Foi muito, muito pior na Europa Oriental e na Rússia. Eu gostaria de poder expressar para você a escuridão espiritual e opressão que existiam por trás da Cortina de Ferro durante os dias da União Soviética. Lembro-me de perguntar a um crente russo, "Você não tem recursos para ajudar você na sua vida cristã?" Ele respondeu, "Bem, há uma enciclopédia do ateísmo publicada pelo Estado e, lendo o que é atacado lá, você pode aprender alguma coisa. Mas isso é tudo." Estes irmãos e irmãs suportaram terrível opressão e doutrinação ateísta pelo regime marxista e ainda assim não abandonaram Cristo. Como frisei na minha resposta à Questão #13, a evidência varia de geração para geração e de lugar para lugar e é acessível somente para os poucos privilegiados que têm a educação, tempo de lazer, e recursos para explorá-la. Deus providenciou uma base mais segura para a nossa fé do que as areias movediças de provas e argumentos, ou seja, a habitação do Espírito Santo.

Além disso, esta conclusão parece em consonância com o ensinamento do Novo Testamento sobre o testemunho do Espírito Santo. Embora os não-crentes rejeitem os ensinamentos do Novo Testamento, os cristãos devem levá-lo sério. Pondere, então, nas palavras de João: E o Espírito é o que testifica, porque o Espírito é a verdade... Se recebemos o testemunho dos homens, o testemunho de Deus é maior; porque o testemunho de Deus é este, que de seu Filho testificou. Quem crê no Filho de Deus, em si mesmo tem o testemunho; quem a Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu (1 João 5:6-10). Como crentes cristãos, nós temos o testemunho de Deus vivendo dentro de nós, o Espírito Santo, cujo testemunho excede em vigor todo o testemunho humano. Assim, em resposta à sua pergunta, Kyle, eu acho que, de fato, Deus não vai permitir que alguém esteja em uma posição em que a coisa racional a se fazer é rejeitar a Deus e a Cristo e se separar de Deus. Uma vez que Deus é essencialmente amoroso, eu estou inclinado a dizer que tal coisa não só nunca acontecerá, mas que é, de fato, impossível. Daqui resulta que os cristãos que têm apostatado fizeram isso em desafio à obra do Espírito Santo extinguindo ou entristecendo o Espírito, de modo que o que eles fizeram foi, no final, irracional.

Isso implica, Adam, como diz o seu cético, que eu acho que "a evidência não tem importância quando comparada à fé"? Não, porque ele está fazendo um falso contraste, comparando maçãs com laranjas. A fé não é a questão aqui, mas o fundamento para a fé. Deve o fundamento para a fé ser a evidência? Essa é a questão. Nós já vimos que evidencialismo está falido. Muitas das coisas que sabemos não são baseadas em evidências. Então, por que a crença em Deus deveria ser baseada? A crença em Deus e nas grandes verdades do Evangelho não são um exercício de fé, um salto no escuro, sem fundamento. Pelo contrário, como enfatiza Plantinga, a fé cristã é parte dos juízos da razão, fundamentada no testemunho interior do Espírito Santo, que é uma realidade objetiva mediada de Deus para mim. A verdade é que a evidência, tal como definida nessas discussões, desempenha um papel secundário comparado ao papel que o próprio Deus desempenha em justificar a fé cristã. Deveríamos, então, ignorar fortes evidências que mostram que nossa fé é provavelmente falsa? Claro que não! Meu trabalho como um filósofo exemplifica o esforço para confrontar objeções à crença cristã de maneira direta e respondê-las. Mas a maioria dos cristãos no mundo não têm esse luxo. No caso deles, eles podem ter que manter a sua fé cristã, embora não tenham uma resposta ao suposto invalidador. O que eu insisto é que, dado o testemunho do Espírito Santo dentro deles, eles são totalmente racionais em fazê-lo.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

DEUS e rubem alves


Começo este texto com algumas confissões. Gosto do Rubem Alves. Não o classifico nas categorias nas quais costuma ser citado por seus leitores: ora como pedagogo, ora como psicanalista e ainda há quem goste dele pelos seus antigos escritos teológicos. Gosto de como trata o texto, da busca incessante de significados e histórias em coisas "simples", o que normalmente produz insights bastante interessantes. Gosto como cutuca a religião e os religiosos. Quase sempre concordamos. Minha segunda confissão é enviesada. Não sou palmatória do mundo, logo não tenho vocação para  endireitar as entordaduras que existem aos montes. Porém, há coisas que nos soam tão disparatadas que só a custo  conseguimos reprimir uma reação. É o caso do recente texto do Rubem Alves na Folha, jornal no qual escreve às  terças-feiras. Em "Onde está Deus?", seu último artigo, Rubem acusa Deus de ser o culpado ou de, no mínimo, estar ausente na hora em aconteceu o que ele chama de “tsunami nas montanhas” do Rio de Janeiro. Veio-me à mente a ir onia de Elias com os profetas de Baal que se flagelavam pedindo um sinal ao seu deus e o profeta os fustigava a gritar mais alto porque, quem sabe, o deus estivesse em viagem ou dormindo. No final de sua fala, Rubem relembra um    editorial do “The New York Times” quando da queda das torres gêmeas. O título repetia a frase – dita por amargurados judeus massacrados – que ficou tristemente famosa nos campos de concentração: “Onde estava Deus quando isso  aconteceu?” Importa mesmo saber? O texto rubeniano começa como sempre, falando de algo que é, digamos, banal. Ele acorda e liga a televisão para se informar. Depara-se com o horror. Deplora, de certo modo, que uma mulher     carregue na camisa um “sou feliz” ao qual ele acrescenta: “quem está com Deus é feliz”. Assim ele arrasta Deus para dentro do apocalipse, pois nem estava lá, ele supõe. Pobre mulher enganada. O texto dá saltos. Nos parágrafos  seguintes fala da mesma televisão, mas agora como uma caixinha mágica que transforma a realidade, pois mostra-lhe um mundo  indílico de compras e pessoas felizes, inclusive os pobres que podem comprar, digo eu, em duzentas vezes, os bens de consumo do mundo capitalista. Um salto maior ainda e Rubem sapeca o salmo 91. Mil cairão à tua direita... Ele, leitor, está à salvo, mais porque habita quase no esconderijo do Altíssimo, afinal está no 11º andar. Os demais, desafortunados, cita Rubem, debaixo da lama, longe dos verdes pastos para os quais o Pastor conduz suas ovelhas (Salmo 23). E conclui, ele está protegido, o salmo de algum modo funciona para ele, não para os mortos. Nada faz  sentido. Rubem está aparvalhado pela desgraça que é inominável. Isso faz sentido. A ironia continua, não como Elias, mas como alguém que pelas costas de outro afirma coisas sobre Ele apenas para cobrar: e de que vale tanta  onipresença, onipotência e onisciência se não usa? E aí Rubem, sem ter mais que diga, introduz o já citado título do jornal americano, faz dele a mesma pergunta. A mesma televisão, nos telejornais que Rubem não assistiu e que não se cansa de mostrar e falar sobre a hecatombe, trouxe sobeja informação sobre as causas. Também nos comparou com outros lugares que agora mesmo sofrem com desastres naturais e que, ao contrário, tiveram poucas mortes, trataram o cidadão com atenção, avisaram com antecedência e acudiram prontamente. As pessoas que construíram suas casas nos cocorutos dos morros, não são culpadas, são vítimas da incúria, da irresponsabilidade, da falta de respeito dos governantes brasileiros: prefeitos, governador e presidente. Pior ainda, quase todos sabiam dos perigos. A metereologia avisou sobre o volume extraordinário das chuvas que, aliás, é fenômeno natural, cíclico. Me ajude, Rubem, a entender, onde Deus senta no banco dos réus aqui? No deserto da tentação, o diabo diz a Jesus a certa altura. “Se és Filho de Deus, joga-te para baixo! Porque a Escritura diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos a seu respeito, e eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra’”. É fácil usar a Bíblia para acusar a Deus, Rubem, até o diabo faz isso. O que ele não sabia é que tentar a Deus, é o mesmo que querer manipular as palavras, fatos e até os acontecimentos, para obrigá-lo a agir de certo modo só porque em algum lugar da Escritura está dito. É como se tivéssemos todas as variáveis da equação e a Deus, encurralado, só restasse fazer o que mandamos. Rubem, isso fazem todos os dias, na televisão, a galera da teologia da prosperidade com seus decretos e determinações. Todos os dias eles pegam um deus pelo colarinho e o esbofeteiam, e o ridicularizam e lhe chutam o traseiro com suas ordens e a nós afirmam: faça o    mesmo ou você não tem fé. Eu entendo, você está triste e com raiva, né Rubem?