Alvin Carl Plantinga é um filósofo norte-americano da Universidade de Notre Dame conhecido por seu trabalho em epistemologia, metafísica e filosofia da religião. Plantinga foi citado como o "principal filósofo protestante ortodoxo dos EUA" pela revista Time, sendo retratado como figura central na "revolução silenciosa" acerca da respeitabilidade da crença em Deus entre filósofos acadêmicos. [Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alvin_Plantinga]
WILLIAM LANE CRAIG
Caro Dr. Craig,
Eu sou membro de um fórum de discussões sobre apologética e um tópico foi publicado sobre sua opinião sobre fatos e evidências. O tópico se referia a uma entrevista em que você participou aqui: “Lidando com dúvidas sobre o Cristianismo”. O título da discussão feita pelos céticos foi "W. L. Craig diz que as evidências não são importantes quando comparadas à fé".
Agora, eu assisti a entrevista e eu não achei que você quis dizer isso. Meu entendimento é que você estava promovendo a idéia de que nem todas as perguntas sobre a nossa fé podem ser respondidas e que não devemos perder o ânimo a cada objeção. Eu não achei que foi um convite para negar uma forte evidência de que nossa fé é falsa em favor do Espírito Santo. Os cépticos não têm aceitado a minha interpretação da entrevista, então eu disse que lhe pediria para definir melhor o que você quis dizer. Dr. Craig, você acha que uma forte evidência deve ser ignorada se ela mostra que a nossa fé é provavelmente falsa? (Eu acho que sei a resposta, mas eu vou deixar você esclarecer).
PERGUNTA 2
Esta é uma pergunta sobre epistemologia reformada. Estou quase terminando o livro de Plantinga “Warranted Christian Belief” (Fé Cristã Justificada), e eu acho que o modelo de Plantinga, ou algo muito próximo a ele, é a epistemologia mais biblicamente fiel e exata. No entanto, uma questão ainda paira no fundo: Para Plantinga, existe absolutamente nenhuma circunstância, hipotética ou real, em que um crente seria irracional em manter a fé cristã? As evidências não poderiam se acumular de forma que ter fé em Deus se tornaria irracional, de forma semelhante a eu ter que abrir mão de uma memória se evidências suficientes puderem mostrar que ela é provavelmente falha? Não seria o caso de que uma crença básica inicial em Deus ou no evangelho cristão deveria ser pelo menos sustentada por provas ou argumentos uma vez que, em face de um invalidador potencial, o foco sai da crença básica e passa para o invalidador em potencial – o qual poderia então se tornar real? Ou será que Plantinga argumenta que o testemunho do Espírito é um invalidador intrínseco basicamente contra qualquer objeção? E se ele diria isso, então não é o caso de que um invalidador bem sucedido é, em princípio, impossível? Obrigado, Kyle.
RESPOSTA
Estou perplexo com a quantidade de incompreensão que existe com relação à chamada Epistemologia Reformada. Eu expliquei meus pontos de vista nos livros Reasonable Faith (Fé Racional - 2008) e Five Views on Apologetics (Cinco Visões sobre Apologética - 2000). Eu suspeito que muitos incrédulos que são antipáticos à crença religiosa simplesmente não tomam o tempo, como você fez, Kyle, para ler as obras de epistemólogos Reformados e realmente lidar com as questões envolvidas. Em vez disso, eles contentam-se com agarrar um par de dizeres e denunciá-los como auto-evidentemente absurdos. Para estabeler o plano de fundo, Plantinga emitiu uma crítica incisiva do que ele chama de“fundacionalismo clássico”, a doutrina de que uma pessoa é racionalmente justificada em acreditar numaproposição como verdadeira se a proposição for ou parte dos fundamentos auto-evidentes e incorrigíveis do conhecimento ou se for estabelecido por uma evidência que, no final, seja baseada em tais fundamentos. De acordo com a chamada “objeção evidencialista à crença religiosa”, uma vez que uma proposição como "Deus existe" não é auto-evidente ou incorrigível, seria irracional acreditar nesta proposição sem que haja evidência de sua veracidade. O que Plantinga mostra, em primeiro lugar, é que a adoção deste tipo de epistemologia reduziria todos nós à irracionalidade, pois a maioria das nossas crenças não podem ser evidencialmente justificadas.
Tomemos, por exemplo, a crença de que o mundo não foi criado há cinco minutos incluindo traços de memória introduzidos, comida em nossos estômagos de refeições que nunca realmente comemos, e outras aparências de idade. Ou a crença de que o mundo externo à nossa volta é real e não uma realidade virtual gerada por computador. Quem já viu um filme como Matrix percebe que a pessoa que vive em uma realidade virtual não tem provas de que não está nesse mundo ilusório. Mas certamente somos racionais em acreditar que o mundo que nos rodeia é real e que existe há mais de cinco minutos, mesmo que não tenhamos nenhuma evidência para isso.
Em segundo lugar, Plantinga mostra que o fundacionalismo clássico refuta a si mesmo. O evidencialista declara que somente as proposições que são auto-evidentes ou incorrigíveis são apropriadamente básicas, ou seja, são parte dos fundamentos do conhecimento. Mas Plantinga pergunta, a proposição "somente as proposições que são auto-evidentes ou incorrigíveis são apropriadamente básicas" é em si apropriadamente básica? Aparentemente não, pois certamente não é auto-evidente ou incorrigível. Portanto, se queremos acreditar racionalmente nessa proposição, devemos ter evidências de que ela é verdadeira. Mas tal evidência não existe. A proposta parece ser apenas uma definição arbitrária—e não muito plausível!
O fundacionalismo clássico é, portanto, fatalmente errado. Muitas das nossas crenças que racionalmente abraçamos e que até mesmo sabemos serem verdadeiras não se baseiam em evidências, mas são apropriadamente básicas para nós, mesmo que não sejam auto-evidentes nem incorrigíveis. Na verdade, o filósofo George Mavrodes certa vez me disse que podemos pensar do nosso sistema de crenças como um arranha-céu, com um grande número de crenças construídas sobre as fundações, enquanto que, na visão de Plantinga, nosso sistema de crenças é mais como um grande lote, vazio, com fundações desconexas correndo nele e com alguns tijolos construídos aqui e ali sobre as fundações. A ilustração é apropriada. Pois, como mostra Plantinga, não só as nossas crenças perceptivas, mas também as crenças de memória e crenças de depoimento, entre outras, são todas apropriadamente básicas. Plantinga salienta que a sua epistemologia não é fideísta. Crenças apropriadamente básicas são parte dos julgamentos da razão, não da fé. Além disso, seu modelo não implica que qualquer crença aleatória pode ser apropriadamente básica. A fim de ser apropriadamente básica, uma crença deve ser baseada em certas circunstâncias. Por exemplo, nas circunstâncias de ter experiências visuais e auditivas de outras pessoas além de mim, eu formo a crença de que existem outras pessoas além de mim. Aparte de tais circunstâncias embasantes, esta crença seria arbitrária e irracional para mim. Minha crença na realidade de outras pessoas não pode ser inferida a partir das evidências, mas pode ser apropriadamente básica para mim em tais circunstâncias.
Agora, Plantinga pergunta, por que as crenças religiosas não podem ser apropriadamente básicas? Boa pergunta! Plantinga desenvolveu um modelo segundo o qual a fé cristã é apropriadamente básica, com relação tanto à racionalidade quanto à justificativa. Plantinga afirma que o modelo fornece uma explicação perfeitamente viável de como crenças cristãs podem ser tanto racionais quanto justificadas de uma forma básica, ou seja, não há nenhuma boa objeção para a sua explicação aparte de um ataque à própria verdade do cristianismo. De fato, ele acha que, se o Cristianismo é verdadeiro, então algo próximo ao seu modelo é muito provavelmente correto. Daqui resulta que, se o não-cristão quiser impugnar a racionalidade da fé cristã, ele deve pôr em questão a verdade do próprio cristianismo.
O modelo de Plantinga envolve fundamentalmente o que é geralmente chamado de “o testemunho interior do Espírito Santo”. Em seu modelo, o Espírito Santo funciona na analogia de uma faculdade cognitiva, produzindo crenças em nós. Eu pessoalmente prefiro pensar no testemunho do Espírito com uma forma de testemunho literal ou então como parte das condições experimentais que servem de fundamento para a crença em Deus e nas grandes verdades do Evangelho. Em ambos os casos Seus julgamentos são apropriadamente básicos.
Eu tenho caracterizado o testemunho do Espírito Santo de Deus como auto-autenticante. Como eu explico em Reasonable Faith (Fé Racional), Com isso quero dizer que a experiência do Espírito Santo é verídica e inconfundível (embora não necessariamente irresistível ou indubitável) para quem a tem; que tal pessoa não precisa de argumentos ou provas complementares a fim de conhecer e saber com certeza que ele está de fato experimentando o Espírito de Deus; que tal experiência não funciona neste caso como uma premissa de qualquer argumento de experiência religiosa para Deus, mas que é a experiência imediata do próprio Deus; que em certos contextos a experiência do Espírito Santo implicará na apreensão de certas verdades da religião cristã, tais como "Deus existe", "Eu estou condenado por Deus", "Eu estou reconciliado com Deus", "Cristo vive em mim", e assim por diante; que tal experiência dá a uma pessoa não só uma garantia subjetiva da verdade do cristianismo, mas também o conhecimento objetivo daquela verdade; e que os argumentos e evidências incompatíveis com essa verdade são derrotados pela experiência do Espírito Santo, para aquele que atende plenamente a ela.
Agora eu tomo como quase óbvio que, se Deus existe, então, é claro, Ele é capaz de dar tal testemunho para pessoas humanas. Deveríamos pensar que um ser onipotente que fez o homem e todas as suas faculdades, que projetou o homem para conhecê-lo, seria incapaz de falar com seres humanos de uma forma tão clara e inconfundível? Assim, penso que Plantinga é inteiramente correto ao afirmar que não há nenhuma sólida objeção para essa epistemologia aparte de uma crítica da veracidade do próprio teísmo cristão. Se o incrédulo pensa o contrário, convido-o a partilhar o seu argumento. Não é suficiente apenas fingir indignação e esbravejar contra a essa visão. Uma pessoa que sabe que o Cristianismo é verdadeiro com base no testemunho do Espírito Santo também pode ter uma sólida apologética que reforçe ou confirme para ela o testemunho do Espírito, mas essa não serve como o meio fundamental como ela sabe que o cristianismo é verdadeiro. Se os argumentos da teologia natural e das evidências Cristãs são bem sucedidos, como eu afirmo que são, então a fé cristã é também justificada por tais argumentos e evidências para a pessoa que lança mão deles, assim como essa pessoa continuaria a ser justificada ao crer na ausência deles. Tal pessoa é duplamente justificada em sua crença cristã, no sentido de que ela goza de duas fontes de justificação. Assim, os argumentos evidenciais a favor do Cristianismo são, a meu ver, suficientes para o conhecimento da veracidade do cristianismo, mas não são necessários para o conhecimento da veracidade do cristianismo.
Agora, a pergunta que vocês dois fizeram diz respeito ao papel dos invalidadores da fé cristã. Crenças apropriadamente básicas podem ser invalidadas, ou seja, elas podem ser derrotadas por outras crenças incompatíveis que alguém possa vir a aceitar. Nesse caso, o indivíduo em questão ou deve vir com um invalidador para o invalidador ou deve abrir mão de algumas de suas crenças, se quiser permanecer racional. Assim, por exemplo, um cristão que encara com o problema do mal é confrontado com um potencial invalidador de sua crença em Deus. A apologética cristã pode ajudar a formular respostas, tais como a Defesa do Livre Arbítrio em resposta ao problema do mal, a fim de derrotar o suposto invalidador. Mas Plantinga também argumenta que, em alguns casos, a crença original pode exceder tanto o seu suposto invalidador em justificativa que ela se torna um invalidador intrínseco do seu suposto invalidador. Ele dá o exemplo de alguém acusado de um crime e contra quem estão todas as provas, mesmo que essa pessoa saiba que é inocente. Nesse caso, essa pessoa não é racionalmente obrigada a abandonar a crença em sua própria inocência e aceitar as evidências de que é culpada. A crença de que ela não cometeu o crime intrinsecamente invalida os invalidadores levantados contra ela pelas evidências. Plantinga faz a aplicação teológica sugerindo que a crença em Deus pode, de maneira similar, intrinsecamente invalidar todos os invalidadores que possam ser levantados contra ela.
Plantinga, que eu saiba, não se compromete claramente com a visão de que o testemunho do Espírito Santo é um invalidador intrínseco do invalidador. Tal tese é independente do modelo apresentado. Mas eu tenho argumentado que o testemunho do Espírito é, de fato, um invalidador intrínseco de quaisquer invalidadores levantados contra ele. Pois, parece-me inconcebível que Deus permitiria que qualquer crente estivesse em uma posição onde ele fosse racionalmente obrigado a cometer apostasia e renunciar a Cristo. Parece-me, pelo contrário, que em tal situação, um Deus amoroso intensificaria o testemunho do Espírito de tal modo que este se torne um invalidador intrínseco dos invalidadores que essa pessoa encara. Agora, pode-se dizer que Deus, de fato, não permitiria que uma pessoa caísse em circunstâncias onde a coisa racional a fazer seria apostatar e virar as costas para Deus, mas que Deus apresentaria evidências suficientes para tal indivíduo, de modo que ele fosse capaz de invalidar por meio de argumentos e evidências o suposto invalidador. Admito que essa visão é possível (como pode alguém que acredita em Conhecimento Médio pensar de maneira diferente?). Mas quando olho para o mundo em que realmente vivemos, tal visão parece-me ingênua. A grande maioria das pessoas no mundo não tem o tempo, a formação, nem recursos para desenvolver uma apologética cristã madura como base de sua fé ou para invalidar os diversos invalidadores que encontram. Tenho sido profundamente comovido com o sofrimento dos cristãos quando viajo para o exterior e vejo as circunstâncias por vezes desesperadas em que eles se encontram.
Na Europa, por exemplo, a cultura universitária é predominantemente secular e até mesmo ateísta. Eu conheci muitos estudantes de teologia, quando morava na Alemanha, cujos professores os tinham exposto a nada mais que crítica bíblica radical e erudição anti-cristã. Estes estudantes mantiveram a fé cristã, apesar das evidências. Foi muito, muito pior na Europa Oriental e na Rússia. Eu gostaria de poder expressar para você a escuridão espiritual e opressão que existiam por trás da Cortina de Ferro durante os dias da União Soviética. Lembro-me de perguntar a um crente russo, "Você não tem recursos para ajudar você na sua vida cristã?" Ele respondeu, "Bem, há uma enciclopédia do ateísmo publicada pelo Estado e, lendo o que é atacado lá, você pode aprender alguma coisa. Mas isso é tudo." Estes irmãos e irmãs suportaram terrível opressão e doutrinação ateísta pelo regime marxista e ainda assim não abandonaram Cristo. Como frisei na minha resposta à Questão #13, a evidência varia de geração para geração e de lugar para lugar e é acessível somente para os poucos privilegiados que têm a educação, tempo de lazer, e recursos para explorá-la. Deus providenciou uma base mais segura para a nossa fé do que as areias movediças de provas e argumentos, ou seja, a habitação do Espírito Santo.
Além disso, esta conclusão parece em consonância com o ensinamento do Novo Testamento sobre o testemunho do Espírito Santo. Embora os não-crentes rejeitem os ensinamentos do Novo Testamento, os cristãos devem levá-lo sério. Pondere, então, nas palavras de João: E o Espírito é o que testifica, porque o Espírito é a verdade... Se recebemos o testemunho dos homens, o testemunho de Deus é maior; porque o testemunho de Deus é este, que de seu Filho testificou. Quem crê no Filho de Deus, em si mesmo tem o testemunho; quem a Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu (1 João 5:6-10). Como crentes cristãos, nós temos o testemunho de Deus vivendo dentro de nós, o Espírito Santo, cujo testemunho excede em vigor todo o testemunho humano. Assim, em resposta à sua pergunta, Kyle, eu acho que, de fato, Deus não vai permitir que alguém esteja em uma posição em que a coisa racional a se fazer é rejeitar a Deus e a Cristo e se separar de Deus. Uma vez que Deus é essencialmente amoroso, eu estou inclinado a dizer que tal coisa não só nunca acontecerá, mas que é, de fato, impossível. Daqui resulta que os cristãos que têm apostatado fizeram isso em desafio à obra do Espírito Santo extinguindo ou entristecendo o Espírito, de modo que o que eles fizeram foi, no final, irracional.
Isso implica, Adam, como diz o seu cético, que eu acho que "a evidência não tem importância quando comparada à fé"? Não, porque ele está fazendo um falso contraste, comparando maçãs com laranjas. A fé não é a questão aqui, mas o fundamento para a fé. Deve o fundamento para a fé ser a evidência? Essa é a questão. Nós já vimos que evidencialismo está falido. Muitas das coisas que sabemos não são baseadas em evidências. Então, por que a crença em Deus deveria ser baseada? A crença em Deus e nas grandes verdades do Evangelho não são um exercício de fé, um salto no escuro, sem fundamento. Pelo contrário, como enfatiza Plantinga, a fé cristã é parte dos juízos da razão, fundamentada no testemunho interior do Espírito Santo, que é uma realidade objetiva mediada de Deus para mim. A verdade é que a evidência, tal como definida nessas discussões, desempenha um papel secundário comparado ao papel que o próprio Deus desempenha em justificar a fé cristã. Deveríamos, então, ignorar fortes evidências que mostram que nossa fé é provavelmente falsa? Claro que não! Meu trabalho como um filósofo exemplifica o esforço para confrontar objeções à crença cristã de maneira direta e respondê-las. Mas a maioria dos cristãos no mundo não têm esse luxo. No caso deles, eles podem ter que manter a sua fé cristã, embora não tenham uma resposta ao suposto invalidador. O que eu insisto é que, dado o testemunho do Espírito Santo dentro deles, eles são totalmente racionais em fazê-lo.
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