As nomenclaturas aludidas ao Senhor Deus na Oração como a Sua “imutabilidade ou inalterabilidade” e “não inamovibilidade ou movibilidade”, é um dos grandes paradoxos no exercício espiritual da Oração.
Não obstante muitos empregam a imutabilidade de Deus como desculpa para não dirigirem Orações ao Senhor. Por outro lado há pessoas totalmente ativas, com a finalidade fomentada de alterar os desígnios de Deus. Aliás Lutero observou muito bem o desejo humano de revogar os propósitos Divinos, dizendo “Orar não é vencer a relutância de Deus, mas é apropriar-se do beneplácito dEle”.[1] A revelação nos informa no que concerne a imutabilidade de Deus, em todo o Seu Ser, em todos os Seus decretos, Suas promessas, em Seus atributos, Ele é imutável.
Entretanto para muitos teólogos contemporâneos a imutabilidade Divina travaria todo processo da Oração, seguindo o raciocínio de Charles Hartshorne o pai da teologia do processo, que defende a mutabilidade de Deus como contínua, porque Deus acrescenta a si mesmo todas as experiências que acontecem no universo.
Os teólogos desta teologia herética têm aversão à imutabilidade de Deus, achando que por mais que o homem Ore, ele nada poderá fazer, pois se Deus é de fato imutável, Ele não se importa com os interesses dos homens. Grudem refutando tal pensamento escreveu:
“Quanto à idéia de que precisamos poder influenciar o próprio ser de Deus para que tenhamos importância, só nos resta responder que se trata de uma pressuposição incorreta inserida na discussão, não compatível com as Escrituras. A Bíblia deixa claro que nossa importância última vem não de sermos capazes de mudar o ser Divino, mas do fato de que Deus nos criou para a sua glória e que ele nos considera importante.” [2]
Imaginar Deus continuamente fazendo ajustes em suas expectativas para o futuro, modificando Seus planos para se ajustarem às metamorfoses múltiplas e flutuações das mais variadas possíveis, no qual o homem é parceiro inseparável nestas mutações, surge uma pergunta, Como ter confiança que a Oração será cumprida, se Deus é minado pelas mudanças mais improváveis, que até Ele às vezes não saberia o que fazer?
Orar não é fazer com que Deus sofra permutações em Seu Ser, mas é sobre tudo a instrumentalidade por meio do qual Deus cumpre Seus decretos eternos e imutáveis. Como bem colocou Haldane:
“Se, na verdade, tudo sucede pelo cego acaso ou por necessidade fatal, não haveria qualquer eficácia moral nas orações, e nenhuma utilidade, mas sendo reguladas pela orientação imutável da sabedoria divina, as orações tem um lugar na ordem dos acontecimentos”. [3]
A imutabilidade de Deus não pode ser entendida como um atributo que deixa Deus estático em Suas ações, e que faz da Oração uma verbalização para o vazio. Mas deve ser entendida parafraseando as palavras de Grudem, que traz a concomitância da imutabilidade Divina e a Sua movibilidade, mostrando que Deus não é inamovível e tem movimentos em Seu Ser e em Seu modo de agir.
O teólogo Grudem literalmente define que “Deus é imutável no Seu Ser, nas suas perfeições, nos seus propósitos e nas suas promessas, porém, Deus age e sente emoções, e age e sente de modos diversos diante de situações diferentes”.[4]
As Escrituras trazem algumas aparentes mudanças de Deus, porém são mudanças condicionais aos Seus decretos. Em Is 31.1-8 tem-se o caso do rei Ezequias, que muitos defendem como sendo a Oração do rei que fez Deus mudar Seus propósitos, porém Deus se move conforme os planos pré-estabelecidos. Neste caso de Ezequias Deus não mudou à duração de vida do rei no momento de sua Oração, a intervenção Divina foi acessada pela sua Oração, isto é um fato indubitável, mas foi o meio determinado por Deus nos tempos eternos para acrescentar 15 anos na vida do rei Ezequias.
O profeta Moisés intercedeu pelo povo de Israel (Ex 32.9-14), porque Deus tinha dito que enviaria um juízo, desde que a situação continuasse a mesma, porém a situação mudou quando Moisés começou a Orar. A Oração mudou a situação e fez parte desta nova situação, que Deus atendeu e sustou o juízo.
Pode-se dizer então, que a Oração foi responsável direta pela mudança da situação. De fato foi em um estado real de acontecimentos temporal, concreto e terreno, mas em uma realidade atemporal e espiritual, a mudança conquistada por Moisés em Oração foi o cumprimento dos decretos de Deus na eternidade. Moisés Orou porque não sabia os decretos Divino, mas sentiu-se compungido de alma ao interceder pelo povo de Israel.
Deus sabe tudo que irá acontecer, mas o homem não sabe por isso deve Orar fervorosamente. Este estado de ignorância dos acontecimentos futuros deve fomentar as Orações dos santos, que cônscios da imutabilidade de Deus e também de Sua movibilidade, fará cumprir todos os Seus propósitos movendo-se através das Orações dos justos.
A movibilidade imutável de Deus é uma obra de Sua própria providência. Os planos de Deus estabelecidos por Ele mesmo irá acontecer pela Sua providência que inclui o esforço humano. A Bíblia ensina que o plano de Deus é definido e fixo, não sofre variações, mas também ensina que a Oração é uma ordem a ser praticada e que ela é eficaz. Encontra-se um tipo de parceria entre Deus e o homem, pois a ação do homem em Oração é a providencia da movibilidade de Deus em mudar a coisas.
Nos elementos da providência Divina encontra-se o Concursus que envolve a idéia de cooperação de Deus e homens no acontecimento de todos os atos, sejam bons ou maus, para a realização de tudo o que Deus de antemão escreveu. Berkhof define-o como “a cooperação do poder divino com os poderes subordinados, de acordo com as leis pré-estabelecidas para sua operação fazendo-as atuar, e que atuem precisamente como o fazem.”[5]
As Escrituras ensinam que a providência de Deus, age também nas ações ou operações da criatura, e que Deus exerce operação imediata como causa primeira dando condições às causas secundárias de serem reais, existindo assim a cooperação da Causa Primeira com as causas secundárias.
Esta verdade bíblica funciona na Oração como a atividade de Deus de não excluir a participação humana no que diz respeito o agir dos Seus planos. O concursus simultâneo, a ação é sempre resultado da combinação do ato dos homens e da participação divina, mas o homem é sempre responsável por sua ação (Gn 45.5; Ex 4.11,12; Es 6.22; Dt 8.18).
A Oração é um meio de comunicação espiritual entre Deus e o homem, que há o compatilismo sadio das Escrituras, no qual Deus é movível com a cooperação das Orações dos santos. Não significa que Deus não tenha poder para efetuar Seus propósitos sem a Oração, mas Ele decidiu em si mesmo que muitos de Seus planos seriam concretizados somente através da Oração de seus servos.
A imutabilidade de Deus e Sua não inamovibilidade se constatam claramente na vida de Elias. Deus enviou a seca em Sarepta por três anos e ouve grande fome e muitas mortes decorrentes desta ausência profunda de água, mas Deus não alterou Seu propósito em não mandar chuva, até que chegasse o momento oportuno de enviá-la sobre a terra (1Rs 17.2-12).
As Escrituras relatam que veio a palavra do Senhor a Elias dizendo que cairia chuva sobre a da terra (1 Rs 18.1). Mesmo com esta promessa predita pelo Senhor, o profeta Elias encurvado sobre a terra Orou pedindo chuva, e a Bíblia relata que só havia uma nuvem pequena como a palma da mão do homem, e a chuva veio torrencialmente (1 Rs 18.42-45). O Concursus providencial de Deus é a grande prova que Ele é Movível junto com a cooperação participativa do homem na Oração.
O Senhor Deus é imutável, mas paradoxalmente sempre causa mudança na história da humanidade. Dagg escreveu sobre isto com muita propriedade “ O plano completo de Deus foi arranjado de tal maneira, em sua infinita sabedoria, que muitas das Suas bênçãos são outorgadas exclusivamente em resposta às nossas Orações”[6]
Orar não é extrair do Senhor Altíssimo, variações de Seus projetos eternos, mas é rogar para que a imutabilidade do Seu Ser e dos Seus decretos se movam por meio das Orações. Não mudar não significa não agir. A movibilidade de Deus nas Orações é a expressão máxima de Seus planos imutáveis, que o faz ser Deus.
rev. Jeferson Roberto
[1] Apud, PINK, A. W. Deus é Soberano. São Paulo: Fiel, 1997, p.128.
[2] GRUDEM,Wayne. Op. Cit., p.115.
[3] Apud, PINK, A. W. Deus é Soberano. São Paulo: Fiel, 1997, p.131.
[4] GRUDEM,Wayne. Op. Cit., p.111.
[5] BERKHOF, Louis. Op. Cit., p. 170.
[6] DAGG, John L. Manual de Teologia. São Paulo: Fiel, 1989, p.50.