O melhor comentário sobre a Bíblia é a própria Bíblia. Compare os princípios encontrados com o restante das Escrituras. Essa regra é chamada pelos intérpretes de “analogia das Escrituras”, ou “analogia da Fé”, e, bem utilizada, evita uma série de erros grosseiros de interpretação, tendo a plena convicção que as Escrituras não se contradiz.
Algumas verdades são difíceis de conciliar, mas isso não significa que sejam excludentes. Um exemplo disso é a questão da responsabilidade humana e da soberania divina. Alguns afirmam que Deus é quem decreta e dirige todas as coisas. Ele domina sobre tudo, e todas as coisas ocorrem segundo o plano predeterminado pelo Senhor Deus (Sl 139.16; Pv 21.1; Is 46.9-11; Mt 10.29; At 2.23, 4.24, 28, 13.48; Rm 8.28-30, 9.8-24; Ef 1.5, 11; I Ts 5.9; 1Pe 5.11; Ap 1.6).
Muitos afirmam que, isto não isenta o homem como um ser moral de sua responsabilidade diante de Deus por seus atos. Os cristãos calvinistas aceitam ambos os ensinos como expressão da mais pura verdade de Deus. Isso o que se chama de antinomia. Antinomia, conforme o Dicionário Aurélio, é o “conflito entre duas afirmações demonstradas ou refutadas aparentemente com igual rigor”. [1] Semelhantemente é o paradoxo, que aparentemente traz a contradição, mas na realidade expressa uma verdade. O problema, nas antinomias, não está na Bíblia, e sim na finitude de nossa compreensão. O fato de não se entender alguma coisa não significa que ela esteja errada.
Entre os arminianos a autonomia metafísica não pode sofrer um controle interno ou externo ontologicamente, ou seja, para que o homem de fato possa responder responsavelmente pelos seus atos, ele deve exercer totalmente a sua vontade. Eles defendem o libertário do determinismo Soberano de Deus, que afirma que a vontade é determinada em suas escolhas por causas internas e externas, porque na lógica arminianista o homem não pode ser responsável por eventos de uma causa previamente determinadora.
Para muitos o fato de Deus ser Soberano na Oração é um grande desestimulante para a pratica da mesma. Alguns chegam até argumentar, que sendo assim não há necessidade de Orar, porque Deus fará cumprir Seus propósitos Orando ou não, criando assim um pensamento filosófico de que responsabilidade requer capacidade de determinação humana independente, havendo mudanças por parte do homem, para que haja obrigatoriedade moral.
O determinismo da Deidade em tudo e a não possibilidade de mudar, faz do homem um boneco de Oração e não um agente moral responsável capaz de transformar as coisas. Este é o pensamento de Finney, que posicionou seu pensamento na direção de que, causas externas de determinismo não têm legitimidade para responsabilizar o homem,ou seja, pedir a Deus sabendo que Ele respondendo ou não a Oração é o cumprimento dos Seus decretos não traz nenhuma obrigação moral. Hodge contrário ao pensamento de Finney escreveu:
“É uma verdade fundamental a afirmação de que um homem sem olhos não tem a obrigação de enxergar ou alguém sem ouvidos não tem o dever de ouvir. Portanto, no campo das impossibilidades físicas, sem dúvida é verdadeira a máxima de que o dever é limitado pela capacidade. Porém não é menos verdadeiro afirmar que a incapacidade do homem ver os acontecimentos futuros é perfeitamente coerente com o fato do homem ser sempre responsável diante de Deus por seus atos de pedir, de que Seus planos se concretizem.” [2]
A responsabilidade do homem na Oração deve trazer à sua consciência o sentimento de obrigação, que se relaciona coerentemente com a convicção da total incapacidade que as Escrituras traz a respeito do homem na Oração.
O apóstolo João escrevendo em sua primeira Epístola 5.14 diz “E esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma cousa segundo a sua vontade, ele nos ouve”. João oblitera qualquer idéia de fatalismo, mas escreve nitidamente que o cristão deve ter sua ousadia no falar com Deus, como um ato responsável diante dEle, e que a liberdade de falar e pedir, é delimitada pela Sua vontade Soberana de ouvir e responder.
O fatalismo apregoando, que o destino é fator determinante no curso da vida humana, isentando o homem de suas responsabilidades, transferindo tal responsabilidade para o destino sem dono não é uma premissa bíblica. A verdade bíblica é anti-falalista, no qual confiar e pedir são função humana, e ouvir e responder são função Divina.
A Oração traz resultados definidos e muda o curso dos acontecimentos, porque Deus determinou que a Oração seria um meio bastante importante de reger resultados no mundo, e a intercessão dos santos é o meio pelo qual Ele usa para gerar mudanças. Os santos são responsáveis sim, porque Deus planejou usar as Orações dos justos para realizar Seus planos, pois os planos de Deus não excluem as Orações dos santos, mas os responsabilizam como conhecedores da vontade preceptiva de Deus (1Rs 18.1; 19.42). Como expressou Doulgas :
“A Oração não é a causa que busca sua própria eficiência, porém é meramente a condição antecedente sobre a qual o benefício está pendente. O propósito para conceder é, da parte de Jeová, soberano e livre, é o movimento espontâneo de sua própria vontade graciosa e amorosa. Contudo, no exercício da mesma soberania e bondade, ele interpõe a Oração da criatura, como o canal responsável através do qual seu favor virá.” [3]
Até o presente momento não foi definido o termo responsabilidade, e falar de responsabilidade humana sem defini-la seria uma abstração filosófica, ou seja, os argumentos ficariam no campo das idéias da autonomia do pensamento humano, sem considerar primariamente o conteúdo das idéias da Bíblia, que deve ser o compêndio das construções teológicas e filosóficas dos cristãos.
As Escrituras não trazem este termo responsabilidade, mas “responsabilidade é simplesmente um sinônimo de prestação de contas, significando que o homem responderá diante de Deus, o juiz, por suas ações.” [4] O homem como agente moral, prestará contas de suas ações, chamando-o a juízo no momento oportuno (Rm 14.10).
O Senhor Deus como Criador tem total liberdade de requerer de Suas criaturas, que respondam responsavelmente diante dEle, pois a ontologia humana é baseada em seu ser como criatura. Orar consciente desta ontologia é enxergar a prerrogativa Soberana de Deus na Oração, juntamente com a prerrogativa do homem entre os seres morais, em ter responsabilidade através da Oração para transformar as coisas em seu redor e mudar a si mesmo, como cumprimento dos propósitos Divinos (Jr 18.1-6; Rm 9.21).
A responsabilidade humana também é uma necessidade, pois Deus é o objetivo, ou seja, o padrão fora de nós mesmos, no qual é referência moral para o que é certo e errado. A Oração do justo deve buscar esta responsabilidade ética, para que sua vida seja moldada com o auxílio do Espírito a viver no padrão de Deus (Jó 34.1-37).
O homem é responsável por seu conhecimento, pois aquele que conhece a vontade do seu Senhor em Sua palavra e ainda não a faz será punido com maior rigor. Esta responsabilidade epistemológica deve levar o crente a Orar conforme a vontade de seu Senhor (Rm 2.12-16). “Ninguém é destituído totalmente da luz da consciência , e todos serão julgados com luz que tem, pois todos pecam (mais ou menos) contra a luz e a verdade.” [5]
Outra responsabilidade do homem tem como finalidade à glória de Deus, e o Orador é responsável como mordomo que é do seu Senhor, em rogar para que Deus cumpra os Seus propósitos, para a glória de Seu nome. Responsabilidade essa que se pode chamar de teleológica, pois a propósito de Deus nas Orações é antes de tudo a Sua própria Honra (Is 43.7; Cl 1.16), e a finalidade dos santos deve ser sempre glorificar ao Senhor.
A Oração é um compatibilismo providente entre um Deus Soberano e o homem como um agente livre. A Soberania de Deus nunca exclui ou minimiza a responsabilidade humana na Oração. Na Oração a criatura não obra absolutamente sozinha, independentemente da vontade e do poder de Deus, mas há uma atividade cooperativa de Deus e o homem, que o acompanha, sustenta e conduz providencialmente para o cumprimento de Seus santos propósitos. At 17.28 diz: “Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos.”
Toda atividade humana, de alguma forma, está associada com um plano de Deus. Todos os movimentos estão amarrados à Sua vontade Soberana. A atividade de Deus acompanha a dos homens em todas as suas direções, mas nunca o homem fica despojado de sua responsabilidade. Os dois, Deus e homem, trabalham simultaneamente na Oração.
Compatibilismo não é nivelamento ontológico, mas a ação de um Deus Soberano em harmonia com a ação de um ser moral responsável – o homem. A providência de Deus usa a ação moral do homem, transformando-o responsável pelos seus atos.
A ação responsável do homem santo na Oração, não deve ser a cassação da Soberania de Deus no momento peticionário, mas um ato dialógico subversiente que leva a Oração a ser justa e eficaz, exatamente porque Deus controla todas as coisas, podendo ouvir ou ignorar a Oração feita.
Orar sem senso de esforço responsável, nos cumprimentos dos propósitos Divinos, é zombaria irresponsável contra Deus, como mero esforço responsável sem Oração, é roubar de Deus sua Soberania. Pois como proferiu Robins “Responsabilidade produz sendo de dever.”[6]
Responsabilidade na Oração não é determinar livremente, com a ausência de causação interna ou externa, mas rogar a vontade de Deus, como causa anterior na eternidade, pois Soberania de Deus e responsabilidade humana, não são excludentes e sim complementares.
rev. Jeferoson Roberto
[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.132.
[2] Apud, PINK, A. W. Deus é Soberano. São Paulo: Fiel, 1997, p.122.
[3] KELLY, Douglas F. Se Deus já sabe, Por que Orar ?. São Paulo: Cultura Cristã, 1996, p.75.
[4] WRIGHT, R.K. Mc Gregor. A Soberania Banida. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p.61.
[5] Ibidem, p.62.
[6] BLANCHARD, John. Op. Cit., p.345.
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