por Guilherme de Carvalho
No último dia 03
de Novembro a comissão executiva do PT produziu uma resolução política sobre os rumos do
partido a partir das eleições 2014. Observei, nas redes
sociais, que ali se desenha uma radicalização da militância “sabendo que pouco
tempo lhe resta” (ou muito, sob outro aspecto). Mas a radicalização na verdade
é um retorno aos fundamentos, não uma inovação.
Num
artigo anterior descrevi o governo atual como servindo
a “um projeto hegemônico muito maior, de uma absorção progressiva das
forças da sociedade civil para incorporá-las em um processo historicista de
revolução social, pilotado pelo partido-estado”. Maior, digo, do que o cuidado
com o pobre e o excluído. Ou, em outros termos, que “temos um estado inclinado
apossuir a sociedade civil, sendo lentamente possuído por um
partido desde sempre possuído por um sonho hegemônico.”
A resolução de anteontem
mostra com pureza cristalina que essa é de fato a direção do partido; pilotar
um movimento trans e suprapartidário de integração de forças partidárias de
esquerda, movimentos da sociedade civil em todos os campos possíveis, das
instituições do estado e, na medida do possível, de grandes empresas, em uma
potência política central que levará à consumação o socialismo
democrático. Nesse processo, realizar-se-á uma “revolução cultural” –
confesso-me surpreso com o emprego dessa expressão no texto da resolução – e se
dobrarão as forças conservadoras.
Ao ler minhas críticas a esse
movimento “hegemônico” alguns leitores se impacientaram, como se eu estivesse
ignorando a hegemonia, por exemplo, do PSDB em São Paulo. Calma
gente! “Hegemonia” aqui é um termo técnico para a esquerda democrática, e
expressa um projeto de totalismo político que é assimétrico em relação a
projetos de poder político de outros partidos, que desejam tão somente
atuar na arena política e… ganhar um dinheirinho.
Bem, o que temos aqui é nada
menos que o “Príncipe Moderno” de Gramsci; o “partido” como grande movimento de
esquerda democrática, e não no sentido de “partido registrado”, é o príncipe
que com autoridade supramoral (isso mesmo, ignorando as moralidades
tradicionais a atuando com vistas ao poder absoluto) obtém a hegemonia cultural
e implementa a reengenharia da sociedade em toda a sua extensão. “Hegemonia”,
nesse projeto, é algo muito mais profundo e extensivo do que a longevidade do
PSDB no poder; envolve a politização e ocupação (sequestro, eu diria) da
sociedade civil como um todo (engajar a educação, movimentos sociais, igrejas,
mídia, imprensa, etc).
Seria isso motivo de
preocupação, se a nossa sociedade é, afinal, tão injusta, e se já estamos sob a
hegemonia do capital? Penso que sim; não vejo porque lutar contra dois gigantes
seria mais fácil do que contra um só. A não ser que você considere um deles
bom. Não é o meu caso.
Gramsci descreveu o marxismo
como “o historicismo absoluto”. O historicismo é essa ideologia (cujas origens
remontam a Giambattista Vico) que absolutiza o processo histórico, e que
considera todas as estruturas da sociedade e da cultura como produtos da
ação inventiva do homem. Nessa perspectiva a estrutura social é vista como o
resultado do processo histórico, carecendo de qualquer “base natural”, “lei
natural divina” ou “ordem criacional”. Parece uma boa forma de desnaturalizar
as injustiças sociais; o problema é que além de se fundar em uma dicotomia
irracional entre base natural e criação cultural, é incompatível com toda a
visão cristã da Criação como o resultado da lei e da palavra divina.
Os cristãos acreditam que
Deus, por exemplo, estabeleceu a família (por quais meios, não vem ao caso). E
ela tem uma ordem dada. Mas para um historicista isso é impossível. A família
como a conhecemos é tão somente um produto histórico, e o avanço histórico
implica sua mutação permanente. Se você se opõe ao processo histórico, cuja
lógica “nós” (os materialistas históricos… os hegelianos e os historicistas em
geral) já antecipamos, então você é… reacionário.
De um ponto de vistão Cristão
faz todo sentido imaginar que a historicidade seja uma dimensão da cultura, mas
não toda ela, e que a mudança progressiva da sociedade não implica em
progressismo, nem em “revolução cultural”. Afinal há coisas na cultura que são
divinas e estruturais, em todos os campos da vida: família, arte, sociedade,
economia, ciência, justiça; e essas coisas tem de ser discernidas e
preservadas, e não “revolucionadas” indiscriminadamente.
“Mas isso não naturaliza a
injustiça”? Não necessariamente. Pois tudo o que empobrece qualquer campo da
vida precisa sim ser corrigido, e quem reconhece a realidade da Queda não
negará isso. Às vezes até uma revolução é necessária, para destravar o processo
histórico. Mas a “revolução total”, a absorção de todas as normas, instituições,
valores e sistemas da cultura em um processo de ascensão rumo ao “paraíso”
humanista é uma negação da bondade da Criação e da pecaminosidade humana.
E porque temer a acusação de
“ingenuidade” e “naturalização”? O humanismo secular não tem nem mesmo uma
pista sobre como correlacionar bem natureza e cultura, desde que decidiu
“desnaturalizar” a ordem social para se livrar da visão Cristã de sociedade!
Quem tem feito isso melhor é a turma do diálogo entre ciência e religião – com
a qual a esquerda iluminada não quer conversa.
O problema do projeto petista
não reside em sua luta para erradicar a pobreza e para aumentar a participação
popular na democracia brasileira. A “revolução cultural” que as esquerdas
seculares desejam é muito mais do que isso, envolvendo uma laicização
completa da existência (e não só do “estado”), como o próprio Gramsci
pregou. O capitalismo faz isso? Sem dúvida. Marx está certo quando atribui ao
Capitalismo um caráter intrinsecamente revolucionário. Isso justifica a
revolução historicista pregada pela esquerda, pilotada por uma hegemonia do
“partido-estado”? Não sei como. Essa aula de lógica eu cabulei.
Não me considero injusto nem
descaridoso ao considerar o historicismo uma forma idolátrica de “culto ao
processo histórico”, pois a idolatria é isso: adorar as coisas que o homem faz.
O historicismo conservador estava por trás do fascismo; o historicismo de
esquerda, do marxismo-leninismo; o historicismo, associado ao nacionalismo, deu
munição à ideologia do Apartheid. Não é flor que se cheire! Herman Dooyeweerd
descreve a emergência desse ídolo moderno em “No Crepúsculo do Pensamento
Ocidental”, que eu e o Rodolfo traduzimos. Vale conferir.
A convergência do
todo social em torno do “príncipe moderno” é incompatível com a convergência de
todas as coisas em torno de Cristo.
Mas os deuses pagãos andam em
bando. No caso dos projetos petista e, mais claramente, psolista,
uma divindade menor serve à maior: o estado serve ao processo histórico. É seu
arauto. O estado deve ser ampliado para que a revolução cultural se complete; e
ele é ampliado, neste momento, pela colonização política da sociedade
civil. Assim se constitui o “príncipe moderno”. O problema é que o príncipe
moderno é um centro absoluto (ainda que não absolutista) para a sociedade como
um todo. Mas para o Cristão a sociedade como um todo não pode ter um outro
centro, que não Jesus Cristo. A convergência do todo social em torno do
“príncipe moderno” é incompatível com a convergência de todas as coisas em
torno de Cristo.
Daí eu ter ressuscitado um
texto anterior, “A Visão Cristã do Estado”, a partir da leitura de um texto
introdutório de política. É que considero o projeto do “Príncipe Moderno”
intrinsecamente incompatível com uma visão do Estado que seja compatível com o
Cristianismo. Embora deixe muitas questões em aberto (várias além da minha
competência), acho que é útil para levantar a peteca; mas se você deseja algo
realmente rigoroso, por um especialista (e não por este pastor intrometido),
recomendo fortemente a leitura de um livro do qual a Associação Kuyper de
BH promoveu a publicação: “Estado e
Soberania”, de Herman Dooyeweerd.
A VISÃO CRISTÃ DO ESTADO
“Ai dos que descem ao Egito em
busca de socorro e se estribam em cavalos; que confiam em carros, porque são
muitos, e em cavaleiros, porque são mui fortes, mas não atentam para o Santo de
Israel, nem buscam ao SENHOR! Pois os egípcios são homens e não deuses; os seus
cavalos, carne e não espírito. Quando o SENHOR estender a mão, cairão por terra
tanto o auxiliador como o ajudado, e ambos juntamente serão consumidos.” (Is
31.1,3)
Há uma perspectiva cristã do
Estado? Há quem pense que o cristianismo não tem nada que ver com Estado – nem
com política; que a religião não tem nada a ver com política. Não no sentido de
que a religião não se mescle com a política, pois isso sim, acontece sempre,
mas no sentido de que a religião não deveria se misturar com a política nem se
intrometer em coisas de Estado. Alguns mais radicais sustentam, inclusive, que
a verdadeira política é incompatível com a religião.
As razões para isso variam;
uns pensam que a política poderia macular a pureza da religião; outros entendem
que a religião é irracional e corrompe a racionalidade da boa política. De um
jeito ou de outro, os dois lados podem até chegar a uma espécie de cessar fogo
pragmático: “cada um no seu quadrado”. Na igreja Deus é Jesus; na câmara, é o
Estado.
Mas há quem realmente tome
essa solução pragmática como princípio teológico/ideológico – que Jesus nos
leva para o céu, e o Estado cuida de nós aqui na terra. Portanto o bom cristão
deveria ver em um projeto de Estado secular a cura para as mazelas da
sociedade.
Mas será isso possível? Que
intenções têm o Estado moderno ao propor (ou impor) essa solução à religião? É
possível identificar a política cristã com uma aceitação tranquila dessa ordem
de coisas?
A política secular: religião
em cárcere privado
Tomemos como referência aqui,
um filósofo contemporâneo; um francês, (previsivelmente): Christian
Delacampagne. Não porque ele seja muito importante no campo (não é), mas porque
representa bem o tipo de mentalidade que pretendemos pôr em questão. Podemos nos
sentir gratos pela sua formulação sucinta e clara do problema: “como o
religioso, na sua ambição de constituir o ‘laço’ social por excelência (esse é
o sentido do latim “religio”), pode coexistir com o político, cuja ambição é
análoga?”1
Delacampagne tenta lidar
seriamente com o problema, perguntando se o poder político “deve”, e se “pode”
se separar do poder religioso. A sua resposta à primeira questão é que ele deve
se livrar da tutela religiosa, por uma questão de sobrevivência. Porque,
segundo ele, a democracia depende, para funcionar, de uma abordagem pragmática
das questões; um partido, por exemplo, deve representar os interesses de certo
grupo, não uma verdade absoluta, que deva ser imposta a todos. A política seria
um jogo, cujas regras excluem a universalidade, mas a religião, por sua
natureza, não pode respeitar essas regras. Ela atua a partir de absolutos, não
de considerações meramente pragmáticas. Com efeito, “Na medida em que considera
o pluralismo desejável, como deve fazer se quiser ser democrático, o poder
político deve opor-se à simples ideia de ‘partido religioso’, isto é – pois
todas as religiões tendem a formar partidos desse gênero – opor-se à religião
em geral.2”
Mas pode, a política,
separar-se da religião? Sim, desde que ela delimite com clareza as duas
esferas. Para o filósofo, temos uma esfera “privada” e uma esfera “pública”,
que ele define como “sociedade civil” ou Estado. O caminho, seguido pelo
ocidente, foi o de “dar a extensão mais vasta possível à esfera ‘pública’
(incluindo progressivamente nela a maioria das atividades sociais, de maneira a
subtraí-las à influência da religião).”3 O homem seria perfeitamente
capaz de atingir a “virtude cívica” necessária para manter todo o espaço
público funcionando bem, sem o auxílio da religião, que seria mantida na esfera
da consciência individual.
E desde que a religião traz,
dentro de si, a tendência de lutar para recuperar a sua “essência”, ou
“fundamento”, é imperativo que ela seja mantida em seu devido lugar; do
contrário, o fenômeno universal e periódico do fundamentalismo ameaçará a
própria base do Estado Moderno, que seria, para Delacampagne, nada menos que
“uma verdadeira separação entre o político e o religioso”.4 Contra
essas ameaças, ele enuncia seu “princípio regulador”: “[...] que a tolerância
mais ampla possível seja dada a todas as confissões – desde que nenhuma delas
seja autorizada a intrometer-se no funcionamento das atividades sociais. Em
resumo, desde que o Estado continue sendo a única instância capaz de determinar
aquilo que, no interior do espaço público, é ou não legítimo.5”
O programa deste filósofo
francês é claro como o meio-dia: a repressão da expressão pública da religião,
e a garantia de sua manutenção na esfera privada, ou no cárcere privado, para
sermos claros também. Mantendo esse “monstro” no cárcere, veremos a liberdade e
a política florescerem na esfera pública…
Contra a idolatria política
Somente a admissão tácita de
certa concepção totalista de Estado pode fazer alguém ler as palavras de
Delacampagne sem perceber que há algo muito problemático em seu argumento. O
filósofo supõe, em toda a discussão, uma continuidade sem saltos (quase uma
identidade) entre “esfera pública” e “Estado”, “sociedade civil” e “Estado”, o
que é perfeitamente falso. O público, e o civil, não é o mesmo que “o
político”. Há uma diversidade de esferas além da esfera “privada” e da esfera
“política”: há a moralidade, a arte, a economia, a ciência e as relações de
sangue. Essas esferas compõem o todo da vida social, mas são anteriores ao
Estado, e não devem sua lógica interna ao Estado. A política e o Estado têm
responsabilidade por apenas uma dimensão da vida pública, que é a da justiça. A
dimensão da arte, por exemplo, é responsabilidade dos artistas e apreciadores
da arte, e não do Estado.
Mas, como Delacampagne
observou, o Estado Moderno se constituiu por meio de uma expansão na qual
reprimiu a influência religiosa “da maioria das atividades sociais”, por meio
do controle de cada uma delas, para garantir a sua “laicidade” e eliminar nelas
os absolutos religiosos.
É claro que tudo isso já
estava embutido na primeira pergunta do autor: quem produz o laço social, por
excelência? Pode a religião e a política conviverem, se tem a mesma ambição?
Uma pergunta deliciosamente reveladora, ao pôr diante de nós a fantástica
pretensão do Estado Moderno de se constituir no laço social por excelência,
tragando as formas mais antigas de associação humana em seu divino estômago.
Então há, acima de qualquer
dúvida, um conflito entre a política e a religião! Há, na medida em que a
política deseja ser, ela mesma, a religião. O Estado Rousseauniano de
Delacampagne, totalista e vigilante, cioso de sua secularidade, absoluta e
indivisivelmente soberano, não passa de uma divindade concorrente com o Teísmo.
A política laica de Delacampagne é mais uma das expressões da religião do
humanismo secular, que pretende controlar cientificamente o homem, para
garantir a sua liberdade – mesmo que, para tanto, tenha que torná-lo seu
escravo.
A responsabilidade atribuída
por Delacampagne ao Estado, de determinar sozinho o que é legítimo no espaço
público, é absolutamente ridícula. Deverá o Estado decidir qual o método
científico legítimo? E o que é arte? E qual a melhor ética sexual? Ou o que é e
o que não é prejudicial à família? Ou se, afinal, precisamos de famílias?
Pode-se, naturalmente, objetar que o termo “público”, aqui, tem sentido
restrito. Talvez, na mente do autor; mas não em seu argumento. De todo modo, o
ponto é que o Estado, e a política, tem uma esfera própria, que é a esfera da
justiça. Compete ao Estado a justiça pública, e o que for estritamente
necessário à realização dessa justiça; e cabe à política a luta por sua
representação e implementação adequada.
Essa forma de pensamento
estatista me faz lembrar da saga fantástica “O Senhor dos Anéis”, de Tolkien. A
maldição da Terra Média estava na existência do um anel, que concentrava todo o
poder. Os teóricos do Estado absoluto parecem não perceber – e isso fica
maravilhosamente claro nas especulações de Delacampagne – que a religião,
ironicamente, é uma indispensável salvaguarda à liberdade dos indivíduos e das
diferentes esferas da sociedade, na medida em que fere Leviatã no próprio
coração, desmascarando as pretensões teológicas do Estado de instaurar-se como
Deus e Senhor da sociedade.
Uma política cristã existe,
assim, tendo obrigações para com Deus e para com o homem. Para com Deus, é seu
dever combater a idolatria política. Li, em certa ocasião, a declaração de um
grupo de cristãos (do “MEP” – Movimento Evangélico Progressista), para os quais
“a visão cristã do Estado é de que o Estado não deve ser cristão”. Um princípio
importante, embora excessivamente concordista com a modernidade. Adverte muito
bem contra a forma errada de interagir com o Estado, mas nada diz sobre a forma
justa. Tornou-se assim politicamente corretíssimo. Rousseau, Delacampagne,
Dawkins e a ala anti-religiosa do PT diriam amém (talvez até um “glória a
Deus”).
Parodiando essa declaração, no
entanto, eu diria que a visão cristã do Estado é, antes de tudo, que o
Estado não deve ser Deus. A tarefa teológica da política cristã é a luta
contra a idolatria política; é a luta pela reforma do Estado, para que ele se
veja redimido de sua fome totalista, e se dedique à sua tarefa divinamente
ordenada, é respeitando a soberania das outras esferas da sociedade.
a visão cristã do
Estado é, antes de tudo, que o Estado não deve ser Deus
Sem dúvida, isso não diz tudo
sobre a visão cristã do Estado. A igreja tem uma tarefa teológica, de combater
a idolatria política, mas também uma tarefa antropológica, de promover a
justiça política; isso significa que uma política cristã precisa, sem dúvida
nenhuma, educar o Estado para a justiça. Mas ela não poderá realizar essa
tarefa se colocar os carros na frente dos bois: cumprir a segunda tábua da Lei,
deixando de lado a primeira. Não: combata-se a idolatria, e então seguir-se-á a
justiça.
O Brasil: um país
Politicamente idólatra
No universo verde-e-amarelo
florescem as condições adequadas a um Estado tirânico. Em 2002 ou 2003, eu tive
a oportunidade de assistir a uma entrevista sobre a atitude política
brasileira, veiculada pela Globo, do famoso antropólogo brasileiro Roberto da
Matta, que à época já estava trabalhando como professor na universidade de
NotreDame, em Indiana. Da Matta, talvez sob o impacto da mudança cultural, fez
uma breve comparação entre os norte-americanos e os brasileiros. Segundo ele,
há uma nítida diferença de postura entre os dois povos; os americanos não
constroem suas esperanças sobre o Estado; a sociedade civil é fortíssima, no
sentido de que as pessoas se organizam de modo voluntário e quase automático
para resolver seus problemas. O brasileiro, em contrapartida, raciocina em
termos paternalistas, esperando que um “poder superior” solucione suas
dificuldades sem que ele precise agir diretamente. Como exemplo, ele apontou a
temática de certa escola de samba (já não me lembro qual), no carnaval daquele
ano. O desfile inteiro apresentou as mazelas sociais do Brasil, denunciando a
pobreza, a corrupção, etc; ao final, o último carro alegórico trazia uma imagem
enorme de Lula, de braços abertos, representando a esperança para o futuro.
E, enquanto aguarda com
expectativa a vinda do seu “Cristo Redentor” político, o brasileiro cruza os
seus próprios braços. Quando alguém toma uma atitude e organiza algum projeto
social, as pessoas dizem – pessoas do governo, empresários e cidadãos comuns –
que a sociedade civil está entrando onde o Estado não está cumprindo o seu
papel – ora, ninguém duvida de que o Estado Brasileiro não cumpre o seu papel,
mas a tarefa de construir uma sociedade justa é da própria sociedade, não do
Estado. O Estado é uma ferramenta do povo, não seu Pai.
Eu diria, bem ao contrário,
que precisamos agir rápido, tomar a frente e desenvolver projetos de
transformação em todas as áreas da vida brasileira, antes que o Estado tome o
controle delas! Os cristãos precisam fazer isso, não só porque a soberania de
Deus precisa encontrar expressão em cada esfera da vida brasileira, mas também
por que somente assim a nossa obrigação política para com Deus será cumprida: a
obrigação de desmascarar a idolatria política e combater as pretensões
teológicas do Estado.
Alugar os egípcios?
Noutro dia desses a Norma
Braga escreveu um provocativo texto para a Ultimato, intitulado Por
que não sou de esquerda. Gerou muitas respostas indignadas. Bem, eu
discordo de muita coisa que a Norma costuma dizer em suas defesas do
conservadorismo. As razões são compreensíveis para quem já leu algo do que
publicamos sobre cristianismo e sociedade aqui na Ultimato.
Mas há um ponto em que a Norma
está certíssima, e sei que vou exasperar meus amigos socialistas, do tipo que
se sente atraído de um jeito ou de outro por ideais Rousseaunianos: sim, o
Estado não é o Messias. Sim, o capitalismo é idólatra. Não, não podemos alugar os
egípcios para nos livrar dos assírios. Chamar o Estado para nos salvar do
mercado também é idolatria. Pura e simples idolatria.
É claro que o Estado deve
zelar pela justiça pública. É claro que deve intervir quando o sistema
econômico se torna injusto. Mas o Estado não deve deter em suas mãos o projeto
nacional. Porque o Estado não é o país; o Estado não é a sociedade; sua
soberania é limitada e não vem do povo, mas de Deus. E o mais essencial na
visão cristã do Estado é exatamente que o Estado não é Deus, nem deve cobiçar o
seu trono.
Vamos esperar em Jesus Cristo.
E que ele nos salve dos assírios, dos egípcios e dos israelitas que confiam na
cavalaria de Faraó.