Reflita sobre as palavras de Jesus quando diz que é
possível partilharmos de manifestações milagrosas que não são verdadeiras
manifestações dEle mesmo: "Muitos me dirão naquele
Dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E, em teu nome, não
expulsamos demônios? E, em teu nome, não fizemos muitas maravilhas? E, então,
lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais
a iniqüidade" (Mateus 7:22-23).
Isto prova que nos dias de Jesus
o povo viu grandes manifestações: homens expulsando demônios, curando enfermos,
operando milagres. E multidões se ajuntavam para testemunhar estas coisas. No
entanto estas manifestações nem sempre tocavam a consciência das pessoas. Por
quê? Porque os que faziam tais coisas nem sempre tinham a semelhança de Jesus.
Portanto, não podiam "recomendar-se" às mais profundas necessidades
do coração das multidões. As manifestações que estas pessoas traziam não eram
de Cristo, mas sinais e maravilhas da carne.
David Wilkerson - 15 de
Abril de 2002
Simonia — a palavra pode ser nova para muitos leitores, mas a prática é bastante antiga no âmbito do cristianismo. Na Idade Média, surgiu uma série de distorções na vida do clero e na administração eclesiástica. Três erros se destacaram por serem considerados especialmente danosos. O primeiro foi o "nicolaísmo", termo derivado incorretamente de Apocalipse 2.15, o fato de que muitos clérigos viviam em concubinato, violando assim os seus votos solenes de castidade e celibato. A segunda prática condenada foram as chamadas "investiduras leigas", isto é, a interferência de governantes civis (reis e imperadores) na nomeação e posse de altos líderes eclesiásticos, como abades e bispos. O terceiro mal na vida da igreja, esse certamente deletério sob todos os pontos de vista, foi a "simonia".
Esse
comportamento derivou o seu nome de Simão, o mágico, um personagem bíblico que
tentou comprar dos apóstolos Pedro e João o poder de conceder o Espírito Santo
àqueles sobre os quais ele impusesse as mãos (At 8.18-24). Assim, a simonia
veio a se referir à concessão ou obtenção de qualquer coisa espiritual ou sagrada
mediante remuneração, fosse ela monetária ou de outra espécie. Em outras
palavras, era a compra e venda de coisas religiosas. Cometia esse pecado quem
oferecia e quem recebia pagamento em troca de um bem espiritual ou
eclesiástico. Na Idade Média, referia-se principalmente ao comércio de cargos
da igreja. Um papa que se notabilizou por sua luta incessante contra esses males
foi Hildebrando, ou Gregório VII (1073-1085), que adotou como lema de seu
pontificado as contundentes palavras de Jeremias 48.10: "Maldito aquele
que fizer a obra do Senhor relaxadamente!".
Curiosamente,
em certo sentido a Reforma Protestante surgiu como consequência de dois casos
de simonia. Um deles foi a compra do arcebispado de Mainz, ou Mogúncia, na
Alemanha, pela poderosa família Hohenzollern, mediante uma negociação questionável
com o papa Leão X envolvendo altas somas de dinheiro. O segundo caso ocorreu
quando o novo arcebispo (e futuro cardeal) Alberto de Brandenburgo promoveu uma
venda especial de indulgências, cujos rendimentos foram utilizados em parte
para saldar a dívida da compra do arcebispado, sendo a outra parte entregue ao
papa para financiar a construção da catedral de São Pedro, em Roma. A reação
de Martinho Lutero contra esse comércio do perdão, mediante suas Noventa e
Cinco Teses, foi o estopim da Reforma.
Durante
séculos, o ministério protestante foi caracterizado por elevados padrões
éticos, especialmente na sensível área das finanças. Seguindo o exemplo de
Cristo e seus apóstolos (At 20.33s; 2Co 11.7), a maior parte dos pastores e
líderes procuravam realizar o seu trabalho como uma expressão de serviço
desinteressado a Deus e às pessoas, isento de ambições materiais. Mesmo
indivíduos de grande projeção, como avivalistas e evangelistas de massa
(Wesley, Whitefield, Spurgeon, Billy Graham e outros), jamais usaram de seu
grande carisma e influência para auferir vantagens pecuniárias e aumentar o seu
patrimônio. Tal comportamento sóbrio e consciencioso ocorreu em todos os ramos
do protestantismo, tanto os tradicionais ou históricos como, mais tarde, os
pentecostais clássicos.
Esse
honroso legado sofreu um abalo lamentável e constrangedor no Brasil, a partir
da década de 1970, com o surgimento do chamado neo-pentecostalismo. Firmados
numa teologia duvidosa, resultante de uma interpretação tendenciosa e
altamente seletiva das Escrituras, os principais líderes desse movimento vêm
demonstrando uma atitude em relação ao dinheiro que em nada difere do velho
pecado da simonia. Servindo-se do poderoso veículo da televisão e manipulando
com habilidade as carências e ambições de uma considerável parcela da
população, esses pregadores têm transformado o evangelho e suas bênçãos em
mercadoria e fonte de lucro (2Co 2.17; lTm 6.5,10).
A recepção de benefícios como a cura, a prosperidade e a felicidade é condicionada à entrega de contribuições, dando-se a entender que as bênçãos serão proporcionais à generosidade do ofertante. Fica inteiramente esquecido o ensino claro de Jesus: "[...] de graça recebestes, de graça dai" (Mt 10.8). Em consequência disso, surgiu uma geração de pastores-empresários que estão se colocando entre os homens mais ricos do país. Dominados pela ganância condenada com tanta veemência nas Escrituras (lTs 2.5; Tt 1.7; IPe 5.2), estão acumulando grandes fortunas na forma de mansões, fazendas, carros de luxo e, agora, o símbolo máximo dos novos ricos - jatinhos particulares. Eles influenciam de tal forma os seus seguidores que estes, além de não questionarem tal procedimento, acham que seus líderes merecem os privilégios que usufruem.
Não se
discute que os obreiros cristãos sejam remunerados condignamente pelo seu
trabalho (2Co 8.14). O que se lamenta é a mercantilização da fé, que tantos
prejuízos têm trazido para a causa de Cristo ao longo dos séculos, obscurecendo
a graça de Deus, o seu favor imerecido. Os modernos simoníacos não só estão
manchando para sempre a sua própria reputação, mas também contribuindo para
prejudicar a imagem de toda a classe ministerial e das comunidades evangélicas.
Suas ações têm produzido e continuarão a produzir reações negativas da
imprensa, da opinião pública e dos governantes. Eles fariam bem em considerar
as palavras ditas pelos apóstolos a Simão, o mágico - e se arrependerem
enquanto é tempo.
(Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja
pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do
Brasil. É autor de A
Caminhada Cristã na História e
Os Pioneiros Presbiterianos do
Brasil. asdm@mackenzie.com.rjr)