Bispo Ryle
O evento descrito nestes versículos, habitualmente chamado de “a transfiguração”, é um dos mais notáveis na história do ministério terreno de nosso Senhor. É uma passagem que sempre devemos ler com especial gratidão. Remove uma parte do véu que permanece sobre as coisas referentes ao mundo por vir e esclarece algumas das verdades mais profundas do cristianismo.
Primeiramente, esta passagem nos mostra algo da glória que Cristo terá em sua segunda vinda. Somos informados que “a aparência do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura”; e os discípulos que estavam com Ele “viram a sua glória”.
Não devemos ter dúvidas de que esta maravilhosa visão aconteceu com o propósito de encorajar e fortalecer os discípulos de nosso Senhor. Eles tinham acabado de ouvir a respeito da crucificação e morte de seu Senhor, do negar a si mesmos e dos sofrimentos aos quais teriam de sujeitar-se, se desejassem ser salvos. Agora foram animados por meio de uma breve contemplação “da glória que os seguiria” (1Pe 1.11) e da recompensa que todos os fiéis servos de Cristo um dia receberiam. O Senhor lhes fizera ver o dia de sua própria fraqueza; agora estavam contemplando, por alguns minutos, uma amostra de sua glória futura.
Devemos nos fortalecer com o pensamento de que para todos os verdadeiros crentes encontram-se entesouradas coisas boas, que compensarão as aflições do tempo presente. Agora é o tempo de tomar a cruz e compartilhar da humilhação de nosso Senhor. A coroa, o reino e glória ainda estão por vir. No presente, Cristo e seu povo, assim como Davi, encontram-se na caverna de Adulão, desprezados e considerados insignificantes pelo mundo. Parece não haver beleza e formosura nEle e em sua obra. Mas vem a hora, e será em breve, quando Cristo exercerá seu grande poder, reinará e colocará os inimigos debaixo de seus pés. Então, a glória que, durante alguns minutos, foi vista apenas por três discípulos no monte da Transfiguração será contemplada por todo o mundo e não será mais ocultada por toda a eternidade.
Em segundo, esta passagem nos mostra a segurança de todos os verdadeiros crentes que partiram deste mundo. Quando nosso Senhor apareceu em glória, Moisés e Elias foram vistos em pé ao seu lado, conversando com Ele. Moisés morrera havia mais de quinze séculos. Elias fora levado ao céu em um redemoinho há mais do que novecentos anos antes deste acontecimento. No entanto, estes dois homens crentes foram vistos novamente, vivos e, não somente vivos, em glória.
Devemos nos consolar no bendito pensamento de que a ressurreição e a vida futura são realidades. Tudo não acaba quando morremos. Existe outro mundo além desta vida. Mas, acima de tudo, devemos nos fortalecer com o pensamento de que até que o dia amanheça e aconteça a ressurreição, o povo de Deus está seguro na companhia de Cristo. Muitas coisas a respeito da atual condição deles são profundamente misteriosas para nós. Em que lugar específico está a habitação deles? O que eles sabem a respeito das coisas que acontecem na terra? Estas são perguntas que não podemos responder. Mas para nós deve ser o bastante saber que Jesus está cuidando deles e os trará juntamente consigo no último dia. Aos seus discípulos Ele mostrou Elias e Moisés, no monte da Transfiguração, e nos mostrará, em sua segunda vinda, todos os que já morreram em Cristo. Nossos irmãos em Cristo estão sendo bem preservados; estão salvos e apenas nos antecederam.
Em terceiro, esta passagem nos mostra que os santos do Antigo Testamento que estão na glória se interessavam intensamente na morte expiatória de Cristo. Quando Moisés e Elias apareceram em glória ao lado de Cristo, no monte da Transfiguração, conversaram com Ele. E qual era o assunto da conversa? Não precisamos fazer suposições e imaginar coisas a respeito disto. “Falavam da sua partida, que ele estava para cumprir em Jerusalém.” Conheciam o significado daquela morte. Sabiam quantas coisas dependiam da morte de Cristo. Portanto, “falavam” a seu respeito.
É um grave erro supor que os crentes do Antigo Testamento nada sabiam no que se refere ao sacrifício que Cristo deveria oferecer pelos pecados dos homens. Sem dúvida, a luz que possuíam era menos nítida do que a nossa. Viam à distância e sem clareza coisas que vemos como se estivessem bem próximas aos nossos olhos. Porém não existe a menor evidência de que os crentes do Antigo Testamento olhavam para qualquer outra satisfação dos seus pecados, exceto aquela que Deus prometera realizar, ao enviar seu Messias. Desde Abel em diante todos os crentes do Antigo Testamento parecem ter descansado na promessa de um sacrifício e de um sangue de onipotente eficácia que ainda se manifestaria. Desde o começo do mundo, sempre existiu tão-somente um fundamento de esperança e paz para os pecadores — a morte de um poderoso Mediador entre Deus e os homens. Este fundamento é a verdade central de todo o cristianismo. Foi o assunto a respeito do qual Moisés e Elias estavam conversando, quando apareceram em glória. Falavam sobre a morte de Cristo.
Observemos que a morte de Cristo é o alicerce de toda a nossa confiança. Nada mais nos outorgará conforto na hora da morte e no Dia do Juízo. Nossas próprias obras são imperfeitas e defeituosas. Nossos pecados são mais numerosos do que os cabelos de nossa cabeça (SI 40.12). A morte por nossos pecados e a ressurreição de Cristo em favor de nossa justificação têm de ser a nossa única garantia, se desejamos ser salvos. Feliz é aquela pessoa que aprendeu a cessar suas obras e a se gloriar unicamente na cruz de Cristo! Se os crentes na glória veem na morte de Cristo tanta beleza, que sentem necessidade de conversar sobre ela, quanto mais deveriam fazê-lo os pecadores na terra.
Por último, esta passagem nos mostra a imensa distância que existe entre Cristo e todos os outros ensinadores que Deus outorgou à humanidade. Lucas nos conta que Pedro, “não sabendo… o que dizia”, propôs fazerem “três tendas”: uma seria para Jesus, outra, para Moisés, e outra, para Elias; como se os três merecessem a mesma honra. Mas esta proposta foi imediatamente censurada de maneira notável: “Veio uma voz, dizendo: Este é o meu Filho, o meu eleito; a ele ouvi”. Aquela era a voz de Deus, o Pai, reprovando e instruindo. Aquela voz proclamou aos ouvidos de Pedro que, embora Moisés e Elias fossem grandes, ali estava Alguém que era maior do que eles. Moisés e Elias eram apenas súditos, Jesus era o Filho do Rei. Eles eram apenas pequenas estrelas; Jesus era o Sol. Eram apenas testemunhas; Jesus era a própria verdade.
Estas solenes palavras do Pai devem sempre ecoar em nossos ouvidos e tornarem-se o conceito fundamental de nosso cristianismo. Honremos os ministros do evangelho por amor ao Senhor deles. Sigamos os seus ensinos até ao ponto em que eles seguem a Cristo. Entretanto, nosso principal objetivo deve ser ouvir a voz de Cristo e O seguir por onde quer que Ele vá. Outros podem ouvir a voz da igreja e se contentarem em dizer: “Escuto este ou aquele pastor”. Jamais nos sintamos satisfeitos, a menos que o Espírito Santo testifique em nosso coração que ouvimos a voz do próprio Cristo e somos discípulos dEle